Araguari Atlético Clube: pioneiras do futebol feminino brasileiro buscam novos horizontes

Por Amanda Silva, Brisa Santos e Izabela Baeta

O Araguari foi o primeiro time feminino brasileiro da história. Fundado na época em que o futebol ainda era proibido para mulheres, a instituição tem um legado que permeia gerações com nomes históricos e simbólicos para o esporte mineiro. 

Em meio à reestruturação da equipe, as expectativas não são tão sonhadoras e revelam até mesmo o sentimento de “pé no chão” de quem comanda o projeto.

Disputando o Campeonato Mineiro pela segunda vez, na sua partida de estreia, o time encara o Atlético, dia 23/09 (sábado), às 15h, no Sesc Venda Nova, em Belo Horizonte.

Metas e objetivos

Com o futebol feminino ainda deficitário que passa por mudança de gestão, o principal objetivo é conquistar vaga para o Campeonato Brasileiro A3. O projeto de retorno da equipe à elite ainda é embrionário e planejado para dar resultado a longo prazo – segundo o vice-presidente de futebol, Marcus Borges, o Araguari não será uma potência imediata. 

O time ainda sofre com orçamento curto, além de lidar com problemas frequentes da modalidade. Dentro das quatro linhas, o Araguari não é o favorito, mas aposta nas jogadoras jovens e estreantes para dar continuidade à história no futebol mineiro feminino. 

O clube ficou inativo por quase 30 anos e retornou à competição apenas ano passado. Em modelo de disputa “especial”, com ex-jogadoras, o objetivo era dar a oportunidade às atletas que fizeram parte da história do Araguari de participarem do modelo de competição moderno.

De acordo com Marcus Borges, vice-presidente e diretor-executivo do clube, a intenção não era ganhar e sim reativar a instituição para começar a pensar em um novo projeto. 

“O futebol do clube está sendo reativado da maneira certa agora. (A inatividade) Foi por conta tanto da questão da falta de recurso, quanto da falta de a diretoria querer investir no futebol feminino. A diretoria passada não tinha esse viés de investir no futebol feminino. Por que todo mundo quer o quê? O futebol masculino”, contou. 

Para este ano, Marcus disse que a principal meta é participar para que o projeto a longo prazo seja colocado em prática, mas que um sonho é conseguir vaga para disputar o Brasileiro Feminino – caso o time seja campeão do interior.

Ao contrário do ano passado, em que as atletas pioneiras foram destaque da competição, este ano, o Araguari chega de cara nova. O plantel é formado por jogadoras novatas no futebol feminino, ainda no início da carreira. Nenhuma delas atuou por outros times profissionais. 

“Vamos inovar de novo. São atletas totalmente novatas que nunca jogaram em lugar nenhum, mas a região conhece elas. Então estamos escondendo o jogo dos nossos adversários, para surpreender. Sem recursos, temos que lutar com a arma que temos, que é o sigilo”

Marcus Borges, vice-presidente do araguari

Problemas e dificuldades

Com o investimento baixo e poucos recursos para financiar a montagem e manutenção de elenco, as mulheres, muitas vezes, não podem se dedicar 100% ao futebol. 

No Araguari não é diferente. Segundo Marcus, as jogadoras dividem as atenções com outras responsabilidades extracampo. Neste ano, o clube conseguiu patrocínio de uma rede de supermercados e também espera apoio da Prefeitura para pagar as viagens. 

“O preconceito é muito grande, as mulheres têm o trabalho delas, a casa delas para cuidar, filhos, marido. É um modelo de negócio completamente diferente. Para ela estar 100% dedicada, tenho que remunerar de uma maneira que o futebol feminino não remunera ninguém. Com um salário mínimo não tem como manter uma família, então elas jogam em outros lugares, trabalham em outro lugares. Sei que minhas atletas não vão viver do futebol”, disse o executivo. 

Em razão dos outros compromissos, o grupo não treina todos os dias em preparação para o campeonato. Para Marcus, é uma meta da nova diretoria mudar isso aos poucos, à medida que o clube for passando por transformações ao conquistar espaço no futebol nacional.

“Agora, nós estamos recuperando isso, mas é muito difícil porque não tem investimento. Nós estamos recuperando isso e o nosso objetivo agora, da nova diretoria, é transformar o Araguari a longo prazo, vai demorar um pouco”

marcus borges, dirigente do araguari

Inspirações para a reconstrução

Com o objetivo de recolocar o Araguari no cenário nacional, o vice-presidente revelou uma das inspirações para o modelo de negócio. Para ele, a Ferroviária, de São Paulo, é um exemplo a ser seguido.

Apesar de ter mantido os pés no chão quanto ao planejamento para este ano, Marcus se mostrou esperançoso em relação ao que o time pode alcançar a longo prazo.

“É um clube que pode ter espaço em Minas Gerais dentro do futebol feminino. Como a Ferroviária em São Paulo, não tem milhões de investimento, mas é um clube estruturado. Tem menos recursos que os grandes clubes, mas sempre está chegando. Queremos transformar a longo prazo. Vai ser difícil, mas não vamos deixar de participar”, contou.

A Ferroviária conquistou espaço no futebol feminino e é um dos gigantes da modalidade. As Guerreiras Grenás somam nove títulos na última década – são dois Campeonatos Brasileiros, duas Copa Libertadores, uma Copa do Brasil e quatro Campeonatos Paulistas.

História

Em dezembro de 1958, o Araguari Atlético Clube formou no Triângulo Mineiro aquela que possivelmente foi a primeira equipe de futebol feminino registrada no país. O surgimento do time partiu da ideia de uma partida beneficente para arrecadação de fundos para um tradicional colégio da cidade, o Grupo Escolar Vicente de Ouro Preto, que passava por uma crise financeira. 

Sob a liderança de Luiz Benjamim, Luiz Teixeira e José Firmino, 22 meninas entre doze e dezoito anos foram selecionadas e, após vários treinos, em dezembro de 1958 foi disputada a primeira partida.

Na ocasião, o Fluminense de Araguari não formou equipe, resultando em 11 garotas do Araguari vestindo a camisa adversária para abraçar a causa solidária. O sucesso da iniciativa que atraiu um grande público incentivou a manutenção do elenco para a disputa de amistosos em várias cidades no ano seguinte. 

As jogadoras do Araguari deixaram um legado importante como pioneiras do esporte feminino no Brasil. Porém, tiveram uma história marcada por muito preconceito, principalmente por parte de religiosos e das próprias famílias das jogadoras. Sofreram, ainda, pressão da mídia e do Conselho Nacional de Desportos (CND), que se opunha às atividades do time. 

No final de 1959, a equipe teve o sonho interrompido antes que pudesse participar de uma partida internacional no México, devido a um decreto-lei resgatado pelo governo, que proibia as mulheres de praticarem vários esportes.

Retrospecto de 2022

Com o objetivo de auxiliar na reconstrução do Araguari, o instituto Leões do Cerrado, a partir do projeto Leoas do Cerrado – que visa ao empoderamento feminino -,  foi peça fundamental para garantir a primeira participação da história da equipe no Campeonato Mineiro, em 2022. 

O Leões do Cerrado foi responsável por custear treinos, transporte e outras necessidades durante o curto período de cerca de 40 dias para a preparação para o torneio. Todavia, os recursos ainda são escassos e insuficientes para manter o time e as atletas. 

Devido aos impasses, já não eram altas as perspectivas de um bom desempenho durante o campeonato. Mas um dos objetivos também era trazer mais visibilidade para o clube e, assim, ter mais chances de conseguir parcerias e patrocínios. 

O Araguari não conseguiu apresentar um bom aproveitamento durante as partidas. Ao todo, foram cinco jogos e cinco derrotas, fazendo com que a equipe ficasse em último lugar. 

Além de não garantirem nenhuma vitória, as jogadoras demonstraram grande dificuldade especialmente contra as equipes de Atlético, Cruzeiro e América, em que os resultados foram de, respectivamente: 10 a 1, 8 a 0 e 8 a 0.

Durante o campeonato, foram 31 gols sofridos e apenas dois feitos: um de Fernanda, contra o Atlético, e o outro de Michelle, na partida diante do Uberlândia, resultando em um saldo negativo de 29. 

Entretanto, independentemente do resultado, 2022 é um marco na trajetória do Araguari. O ano não só representa o início da reconstrução de um time, mas traz luz à própria história do futebol feminino ao levar a campo uma equipe que nasceu lá em 1958, mas que quase foi extinta pelas mesmas mazelas que assolam até os dias de hoje a realidade das mulheres no futebol. 

Ficha técnica

  • Nome do clube: Araguari Atlético Clube;
  • Posição no último Mineiro: 6°;
  • Melhor posição em Mineiros: 6° (2022);
  • Técnico: Diego Oliveira; 
  • Meta: Vaga para disputar o Campeonato Brasileiro A3

Tabela do Araguari no Campeonato Mineiro Feminino 2023

  • Atlético x Araguari (1ª rodada) – 23/09/2023, às 15h , no Sesc Venda Nova, em Belo Horizonte
  • Araguari x Uberlândia (2ª rodada) – 01/10/2023, às 10h, no Estádio Vasconcelos Montes, em Araguari
  • Cruzeiro x Araguari (3ª rodada) – 08/10/2023, às 15h, na Toca da Raposa II, em Belo Horizonte
  • América x Araguari (4ª rodada) – 22/10/2023, às 15h, no Sesc Venda Nova, em Belo Horizonte
  • Araguari x Nacional VRB (5ª rodada) – 28/10/23, às 15h, no Estádio Vasconcelos Montes, em Belo Horizonte
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Autor: Laboratório de Comunicação e Esporte

O Laboratório de Comunicação e Esporte é uma disciplina de graduação ofertada anualmente no Departamento de Comunicação Social (DCS) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) pela professora Ana Carolina Vimieiro.

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