Atlético feminino: história, profissionalização e gestão

Com uma trajetória de muitas idas e vindas, o clube busca consolidar a presença das Vingadoras no cenário do futebol feminino

Por:  Lucas Sant’Ana (@lucas35zzz) e Raul Machado (@raulzzz)

Foto: Flickr Atlético / Bruno Sousa

Desde 2019, todos os times masculinos da Série A do Campeonato Brasileiro e aqueles que participam de competições da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) são obrigados a ter equipes profissionais de futebol feminino. Foi neste cenário que o Atlético se movimentou para retomar o projeto da modalidade voltada para mulheres. Porém, há registros da existência da equipe feminina do Atlético de forma amadora desde 1983.

Relevância na década de 80

O futebol feminino no Brasil foi proibido por lei de 1941 até 1979 e existia uma grande repressão ao esporte. Mas, após a liberação da modalidade, algumas equipes surgiram já na década de 80, como o time do Galo.

Jornal no museu do futebol em SP — Foto: arquivo

Luiza Aguiar dos Anjos e Marina de Mattos Dantas, pesquisadoras do futebol de mulheres em Belo Horizonte, apontam que, naquela época, as atleticanas conseguiram a conquista de um tricampeonato mineiro (83, 84 e 85), um vice-campeonato da Taça Brasil de Futebol Feminino em 1984 e o terceiro lugar em 1985. No período, as atletas não tinham vínculo empregatício com o clube e não recebiam salários.  Após apenas três anos do surgimento da iniciativa, o time encerrou suas atividades ainda em 1985.

A equipe só retornaria após 14 anos, em 1999. Novamente, o projeto não teve continuidade e já em 2000 suspendeu as operações, após o bicampeonato da Copa Centenário.

Mudança após a virada do século

Em 2005, o time voltou a atuar e teve uma sequência constante até 2012. Neste recorte, conquistou diversos títulos:

Dessa forma, com tantos triunfos, a iniciativa do Atlético se tornou uma potência local e referência para mulheres que sonhavam em ser jogadoras.

O Site “Galo Delas” realizou entrevistas com algumas atletas que atuaram na equipe durante esse período. Elas compartilharam algumas informações importantes para entendermos quais eram as condições de trabalho das atleticanas e como o clube era visto na época.

Nessas conversas, as atletas apontaram como a infraestrutura ainda era amadora e a instituição não se movimentava de forma significativa visando à profissionalização. Um exemplo disso é a questão do auxílio financeiro fornecido pelo clube e dos uniformes, que, segundo os relatos, eram “sobras” do material usado pelo time masculino.

Tinha uma ajuda de custo, mas bem pouco, e também vale-transporte. O uniforme vinha do profissional, ou seja, do time masculino. Como se diz, a gente pegava muito “as sobras”. Quando tinha troca de patrocinadores, mandavam os uniformes deles pra gente. (Aline Milene em entrevista ao site Galo Delas)

Outro aspecto mencionado, é como a equipe era dividida entre A e B, em que a segunda funcionava como um espécie de categoria de base e frequentemente realizava testes com jovens que buscavam jogar no time principal.

Eles faziam peneiras, principalmente com o time b, eles faziam muito, passavam umas meninas do time b para o time a. O time b eram as meninas um pouco mais novas, era como uma base. Muitas meninas no final do ano, que se destacavam no time b tinham uma chance no time a.” (IVI CASAGRANDE em entrevista ao site Galo Delas)

Nesse contexto, em 2012, o projeto do time feminino foi suspenso mais uma vez. Não houve uma justificativa oficial por parte do clube. Natália Andrade, jornalista que cobriu as Vingadoras desde 2019, relembra:

Não foi dada uma versão oficial para a suspensão da atividade da equipe, mas o que circula nos bastidores é que o Atlético recebeu diversos processos trabalhistas por parte das atletas devido às condições precárias de trabalho. Quando o projeto foi encerrado em 2012, o futebol feminino e a cobertura do esporte não eram tão estruturados naquele momento para termos informações mais precisas do que aconteceu. 

Petra Fantini, do site Galo Delas, mencionou outra versão sobre o encerramento do time de 2012:

O que eu sei de o time ter parado em 2012 e que fazia parte do plano do Kalil para ser campeão da libertadores, para fazer um time campeão em 2013. Então ele cortou investimento em qualquer coisa que não fosse a equipe masculina, inclusive o futsal foi descontinuado também nessa época e o feminino também foi prejudicado. É difícil fazer previsões, mas eu acredito que o time feminino não existiria se não fosse a obrigatoriedade.

Processo de profissionalização em 2019

Após as novas regras adotadas pela Conmebol e CBF, o Atlético foi obrigado a retomar a iniciativa do time feminino, mas desta vez com um projeto mais robusto e profissional. Assim, o clube garante, desde o começo da proposta, uma série de direitos básicos, como vínculo empregatício com  as atletas e uma infraestrutura desenvolvida.

Em de 2019, o Atlético optou por fazer uma parceria com o time de futebol feminino amador “Prointer” e começou um processo para essas jogadoras atuarem profissionalmente com a camisa do Galo.

Uma das pessoas envolvidas no projeto foi a então coordenadora Nina Abreu. 

O Atlético já vem trabalhando desde o começo do ano (2019) para a escolha deste clube. Me chamaram para a coordenação e a gente vai começar efetivamente os trabalhos. Como é que a gente vai poder ajudar e abraçar essas meninas de forma profissional. Temos uma estrutura gigante e vamos em doses homeopáticas tratando esse embrião, que é o futebol feminino. Mas que com o nome do Atlético vai ficar tão grande quanto o do futebol masculino.  (Nina Abreu em entrevista à GaloTV em 2019)

Resultados rápidos dentro de campo

Não demorou muito para o projeto dar resultados no âmbito estadual.

Porém, o time ainda não conseguiu passar para a fase de mata-mata no Campeonato Brasileiro Feminino e não ganhou nenhum torneio Nacional ou Internacional.

Divulgação, FMF e falta de registros

Ainda em 2019, o Atlético começou os trabalhos na parte de comunicação do time feminino. A primeira publicação no Instagram do perfil “galoffeminino” foi em  13 de janeiro daquele ano e a peça de divulgação não menciona que houve várias equipes femininas que representaram o clube, mesmo que de forma amadora, em vários momentos da história.  

Nesse cenário, o Atlético demonstra pouca disposição em resgatar esse passado e as conquistas pré-2019. A instituição tem diversos projetos oficiais e não oficiais (Galo digital, Blog dos atleticanos, Canal nosso Galo, Embaixadores do Galo, Galo memória, Já joguei no galo e memória atleticana) que não mencionam ou falam muito pouco do legado dos times femininos. 

Uma das poucas ações do clube neste sentido foi um vídeo especial com Ivi Casagrande em 2019, produzido pela GaloTV.

Nas entrevistas feitas pelo Galo Delas, há diversas fotos de acervos pessoais de ex-jogadoras. Porém, no site oficial do clube, não há nenhuma imagem de jogos antes de 2019. Ou seja, se houvesse uma movimentação simples, mais pessoas teriam acesso a essas memórias. 

https://www.facebook.com/galodelasoficial/videos/v%C3%A9spera-de-ferido-e-a-gente-t%C3%A1-como-assistindo-gol-da-ivi-com-a-camisa-do-galo-j/146369485989367 (Lance de um jogo antes da profissionalização da equipe. Fonte: Galo Delas)

Não é só o Atlético que falha neste aspecto. Muitas informações sobre o futebol feminino de Minas Gerais se perderam com o tempo por conta de problemas  na organização de documentos e pela falta de interesse de certos agentes em manter essas memórias vivas e acessíveis. 

“Os arquivos se perderam por não terem sido guardados de maneira adequada em gestões anteriores” (alega Felipe Scheid, assessor da Federação) 

Foto: Captura de tela do site da FMF – Informações vão apenas até 2014

Posturas da instituição 

Mesmo depois de todo esse processo de profissionalização, ainda há algumas questões em relação ao time feminino que podem ser problematizadas. 

Anualmente, o clube divulga um documento chamado “RELATÓRIO DAS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS DO EXERCÍCIO FINDO“. É um balanço geral de planejamento, questões econômicas, entre outros pontos, que visa à transparência com o público. 

No texto de 2021, ano do “Triplete Alvinegro” no masculino, há apenas uma página (de 70 no total) para falar do trabalho desenvolvido com a equipe feminina e a conquista daquela temporada, o título do Campeonato Mineiro. Na carta do presidente, Sérgio Coelho, o projeto da categoria não é sequer mencionado. 

Já no documento de 2022, ano de menos sucessos esportivos por parte do masculino, o título do Campeonato Mineiro que as Vingadoras venceram é exaltado logo nas primeiras páginas junto a outras conquistas da equipe de homens. De forma geral, a categoria recebeu bem mais destaque nesta edição do que na anterior. 

Outro ponto muito importante é a relação da torcida com o  time e como o Atlético tem trabalhado essa interação. Natália Andrade comenta o assunto: 

É difícil falar se a torcida abraçou o projeto após a profissionalização, porque depende de que torcida estamos falando. Primeiro, o Atlético esconde a equipe feminina da torcida. No primeiro ano, a equipe jogou com portão fechado e a gente não tinha informações sobre jogos. Como os jogos aconteciam no CT, não era todo mundo que podia ir. Então não tem como falar de a torcida abraçar em um primeiro momento quando o próprio Atlético não abraçou. O futebol feminino tem um público muito próprio.

Assim, o local dos jogos também é um empecilho para fortalecer esse vínculo. 

Ah esse vínculo entre a torcida e a equipe feminina é uma das grandes batalhas hoje pra quem curte o futebol feminino porque nem a CBF, nem a FMF e nem o Atlético se esforçam para que o torcedor consiga criar esse vínculo com a equipe feminina. Os jogos são no SESC Venda Nova que é muito longe, não tem transporte adequado pra chegar lá, o metrô não chega, tem que pegar um ônibus e anda pra caramba. A pessoa vai demorar umas duas horas pra ir ver o jogo. Nova Lima é impossível de chegar em dia da semana para quem mora em BH por causa do trânsito. Já tem jogo às vezes em Betim. Então o que é muito longe também. (Petra Fantini, do Galo Delas)

Foto: Flickr Atlético / Daniela Veiga – Registro de uma partida do campeonato mineiro 2023 no Sesc Venda Nova

No site oficial da Arena MRV, há um trecho que afirma que “a Arena MRV foi projetada para ser a casa do Clube Atlético Mineiro”. A instituição não se resume apenas ao time masculino, mas, até o momento, qualquer diálogo sobre as Vingadoras usarem o estádio parece distante. 

Foto: Flickr Atlético / Fábio Pinel – Vingadoras visitam a Arena MRV

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Autor: Laboratório de Comunicação e Esporte

O Laboratório de Comunicação e Esporte é uma disciplina de graduação ofertada anualmente no Departamento de Comunicação Social (DCS) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) pela professora Ana Carolina Vimieiro.

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