O lutador atualmente transita entre bons e maus resultados no tatame, mas trabalha para manter corpo e mente aptos para as competições

Atual representante do Brasil na seleção de base de taekwondo, Victor Augusto de Almeida é um jovem que, assim como tantos outros, busca ser campeão nos tatames e na vida pessoal. Aos 17 anos, o atleta que se desdobra entre inúmeras atividades sempre têm como pilar o contato com a fé, família e comunidade.
Nascido em 12 de novembro de 2006, em Betim (MG), Victor é alguém que, como ele mesmo aponta, é nascido em berço evangélico. O pai, Cristiano Batista, é pastor da comunidade que o jovem e a família frequentam, além de ser um mentor e referência para o lutador.
Aos seis anos de idade, o menino muito agitado, brincalhão e cheio de energia que adorava pular de um lado para o outro conheceu o taekwondo, por meio da mãe. Letícia trabalhava como Guarda Municipal, em Betim (MG), e conheceu a luta nos cursos de defesa pessoal do batalhão. Ela pesquisou sobre a arte marcial e decidiu matricular Victor em um projeto esportivo oferecido pela prefeitura da cidade. “Foi amor à primeira vista”, afirma o atleta.
As primeiras aulas foram com o mestre da arte marcial, Wellis Pinheiro, o mesmo que ministrava os cursos de defesa pessoal da guarda. Segundo o atleta, a natação, a capoeira e o futebol – que eram esportes que o jovem praticava – não tiveram chance contra a luta. A primeira aula já prendeu o futuro campeão, que se manteve firme na educação de base da arte marcial até chegar à faixa preta.
A partir daí, a dedicação de Victor com o taekwondo começou a tomar outros rumos. Ele passou a se interessar mais pelo esporte olímpico que existe dentro da arte marcial. Após uma passagem pela equipe do professor Gabriel Sampaio em um projeto da escola – ainda treinando também na equipe do antigo mestre -, em 2017, aos 11 anos e com a faixa preta na cintura, o lutador começou com treinos mais intensos focados no esporte e, pouco tempo depois, em 2018, passou a defender a equipe SESI-Betim.
“Em 2018, eu comecei com o Mestre Ralph na equipe de competição mais específica, visando campeonatos nacionais e internacionais. Ali eu realmente comecei a me profissionalizar na área.”
Nesse período, Victor teve algumas passagens pela seleção mineira e disputou campeonatos brasileiros e outros nacionais. Em 2019, ele conseguiu o primeiro ouro fora de Minas Gerais, sendo campeão do Brazil Open.
Mas foi apenas em 2022 que Victor – em suas próprias palavras – conseguiu obter resultados expressivos. Ele conquistou vaga de reserva na seleção brasileira de base (-17) e alcançou o primeiro grande título nacional como campeão da Copa do Brasil da modalidade.
Ainda em 2022, o jovem fez a primeira participação em campeonatos internacionais. No Campeonato Pan Americano Cadet-Junior de Taekwondo, Victor derrotou o anfitrião costarriquenho, mas caiu nas quartas de final para um atleta do México.
O ano de 2023 está sendo marcante para o jovem. Victor estreou no lugar mais alto do pódio da competição mais importante do país na modalidade, o Grand Slam de Taekwondo, campeonato em que os atletas disputam a vaga para a seleção brasileira da modalidade.
Como campeão da seletiva e membro titular da seleção nacional do ano de 2023, Victor conquistou a vaga para o Pan Americano sub-17 da modalidade (que costuma ocorrer de forma bienal, mas teve que ser reajustado pela pandemia do Covid-19), sediado na República Dominicana. Mais uma vez Victor derrotou o anfitrião da competição e também foi eliminado na luta seguinte, nas quartas de final.
Também titular da seleção brasileira estudantil, a última competição internacional disputada por Victor foi o Campeonato Mundial ISF WSC Taekwondo 2023, o mundial escolar, no mês de junho. Recentemente, o jovem sagrou-se campeão dos Jogos Escolares de Minas Gerais e campeão dos Jogos Estudantis Brasileiros (2023).

Mesmo sendo o atual representante da seleção brasileira de taekwondo, Victor enfrenta alguns desafios para se manter nesta posição e participar de competições importantes.
No Campeonato Mineiro, que acontece no primeiro semestre do ano e seleciona os atletas que vão participar do Brasileiro e da Copa do Brasil, o resultado não foi o esperado. Victor foi campeão da primeira etapa da competição; não participou da segunda, pois estava no Pan Americano; e foi apostar tudo na terceira e última etapa. Ele perdeu para o reserva da seleção brasileira – que também é mineiro – ficando em terceiro lugar geral com uma medalha de ouro e uma de bronze, enquanto os adversários superiores tiveram resultados melhores.
“Infelizmente tive essa queda nos meus resultados. Tive uma questão psicológica, também. Acabei sentindo um pouco de pressão que eu mesmo impus sobre mim.”
Na modalidade, não participar do Campeonato Brasileiro significa também perder uma das chances de ganhar o benefício do bolsa atleta – que só é cedido aos três melhores do ranking nacional e aos medalhistas do Brasileiro. Além disso, Victor deixa de concorrer a uma boa quantidade de pontos para o ranking nacional (já que é o torneio que soma estes números).
“Atrapalha não participar de um Brasileiro. Querendo ou não, cada campeonato é uma experiência muito boa, ainda mais quando são campeonatos alvo. Ninguém gosta de perder, principalmente quem é competitivo. Uma frase que eu nunca concordei é aquela que: o importante é participar. Eu sempre vou para uma competição querendo ganhar. Claro que a gente tem que entender que nem sempre a gente vai ganhar, mas esse é o nosso objetivo.”
Imediatismo
O mau resultado no mineiro deste ano não foi o primeiro que o jovem Victor passou na ainda curta carreira. Houve outros momentos em que o lutador não estava vencendo e “questões psicológicas” o levaram a quase abandonar o esporte.
“Tive sim momentos em que eu quis parar. Acredito que é normal na vida de atleta. Às vezes a gente sente que não está tendo resultados.”
Victor afirmou que os pensamentos em deixar a arte marcial e principalmente o esporte olímpico vieram poucos anos depois do início dos treinos direcionados a competições.
“Com dois, três anos de competição ainda não tinha nenhum resultado que, ao meu ver, fosse significativo. Nunca tinha ganhado nenhum campeonato. Na verdade, não tinha ganhado nem um estadual. E aí eu sentia que tudo que eu estava fazendo era em vão, que eu estava dedicando a minha vida para uma coisa que não me dava resultado, que eu não conseguiria ou que talvez fosse desperdício de tempo. Então, por uma questão de imediatismo meu mesmo, eu sentia que era realmente perda de tempo e quis parar por achar que eu não tinha capacidade.”
Perseverança
Após esse período de “tormenta” com os resultados negativos, Victor decidiu seguir em frente no esporte. A fé e saber ouvir os mentores, junto da dedicação foram fundamentais para que seguisse lutando.
“Graças a Deus e ao Mestre Ralph, que agiram de uma forma muito boa, me incentivando, me impulsionando, me mostrando que isso era normal e uma fase, eles me estimularam a continuar tentando e treinando. E eu ‘decidi’ dar mais uma chance para o taekwondo”
Victor afirma que foi necessário dar tempo ao tempo. Quando intensificou os treinamentos na parte olímpica, ele ainda estava com o corpo em desenvolvimento, era muito pequeno e inexperiente.
“Eu acredito que teve um pouco de mudança de psicológico mesmo. Eu lembro que treinava bem, tinha bons resultados nos treinos, mas chegava na competição às vezes eu travava e não tinha resultados tão bons. Ansiedade, medo. Eu tive que ter uma mudança. A mudança de chave que tive que ter no meu psicológico foi que eu era um atleta desconhecido. Da mesma forma que eu não conhecia meus adversários, meus adversários não me conheciam.”
Ele conta que esse foi o principal obstáculo para melhorar o desempenho. Já um pouco mais maduro, disse que quando conseguiu mudar a cabeça na beira do tatame, obteve o primeiro grande resultado.
“Todo mundo tinha o mesmo objetivo. Então eu fui sem medo, sem apreensão e falei: ‘cara, vou fazer o que eu faço. É mais um treino, é mais um dia. A parte difícil já foi, que é treinar todo dia, que é ter que fazer dieta, ter que perder peso. Então agora é o momento de me divertir, fazer o que eu gosto, entrar no tatame e lutar. Colher os resultados de todo o processo que passei.’ Fui lá, fiz isso e graças a Deus consegui lutar bem. Consegui passar quatro lutas que não foram fáceis e ter meu primeiro ouro nacional.”

De onde vem a força
O atleta e jovem que sempre se lembra de Deus nas falas, costuma ficar junto de seu pai – e pastor – mãe, namorada e outros membros da família durante os encontros da Igreja do Evangelho Quadrangular do bairro Samambaia, em Juatuba, Minas Gerais. Victor é o líder de mídias da comunidade e responsável pelas redes sociais e equipamentos audiovisuais.
Aos 10 anos, em 2017, quando as igrejas começaram a se preocupar mais com redes sociais e equipamentos – segundo o lutador -, Victor iniciou nas suas atividades como técnico e social media da comunidade. Na época ele era auxiliar da responsável, porém, em 2019, teve que assumir o cargo e se tornar o líder.
“Meu pai costuma dizer que filho de crente não é crentinho, Diferente do ditado que diz que filho de peixe peixinho é. Essa é uma decisão que acaba sendo pessoal.”
Para o lutador, a proteção divina vai além das orações dentro do templo. Quando ele sai em viagem, a fé também o acompanha e ajuda a manter a cabeça no lugar. A crença foi uma das responsáveis pela superação dos medos e problemas enfrentados quando os resultados não eram os esperados.
“Sempre que estou viajando peço proteção, quando eu vou lutar, peço proteção. Que Ele venha me ajudar. Não peço para ganhar, porque isso seria injustiça, mas eu peço sempre que Ele me ajude a estar entregando o meu melhor. Peço que Ele me ajude a estar enfrentando tudo sem ter medo, sem que a ansiedade venha a me atrapalhar. Eu creio muito que Deus me ajuda nessa questão psicológica.”
Assim como Victor ressalta a importância emocional da fé, a especialista, psicóloga do esporte e psicóloga clínica, Júlia Pimenta, explica como a religião contribui para a vida do atleta. Tanto de maneira profissional, quanto pessoal.
“Uma coisa que a gente vê é que muitos atletas, muitos atletas mesmo, vão se apoiar na religião. E não só na religião em si, mas na espiritualidade. Isso é um fator que está dentro da psicologia positiva, é um construto da psicologia positiva. Este é um campo mais novo dentro da psicologia que busca desenvolver experiências positivas para o ser humano. Quando a OMS vem trazendo para a gente que saúde é muito além de ter satisfação com a vida, a psicologia positiva surge por aí. Ela vem baseada nessa ideia. Então a espiritualidade vai ajudar o atleta a ter experiências positivas.”
Ela reforça que essas experiências positivas são importantes para que os competidores lidem com os maus resultados e permaneçam dentro do esporte.
“O esporte é muito frustrante. Você trabalha muito tempo por dois minutos em cima do pódio. Você trabalha uma temporada inteira pra ficar dois minutos ali, receber a medalha, tirar uma foto e descer. Então, assim, o tempo de recompensa é muito pequeno para o tempo de trabalho. E às vezes um pequeno detalhe pode fazer a diferença. Às vezes pode ser um juiz que marcou errado e acabou atrapalhando no campeonato. Então, assim como esses desacertos, várias coisas podem atrapalhar o ganho, o bom desempenho, o recebimento da medalha e muitas vezes os atletas se apoiam em Deus, nessa espiritualidade, para poder desenvolver uma resistência.”
A especialista ainda aponta a importância de diferenciar atletas jovens de adultos. Por fatores biológicos, eles podem ter respostas diferentes em relação às situações da vida, afetando também as decisões tomadas. O momento que Victor quis desistir pode ser associado à juventude.
“A gente tem que fazer um recorte em relação à idade, porque a adolescência é um período da nossa vida em que tudo parece o ‘fim do mundo’. São muitas decisões e escolhas que a gente tem que fazer. E todas elas parecem que vão afetar a nossa vida eternamente.
Se a gente pensar pelo lado da neurociência. O nosso córtex pré-frontal só vai se formar quando a gente estiver jovem adulto. Então, o córtex pré-frontal é o que nos ajuda a tomar decisões. Como ele ainda não está 100% formado, nosso cérebro também não está totalmente formado, e fica mais difícil a gente tomar certas decisões. E, às vezes, a gente acaba tomando decisões muito impulsivas.
Então as decisões em relação ao esporte também vão ter esse peso. Hoje em dia, atualmente, e quando eu falo atualmente é a partir da última década, a psicologia tem trabalhado muito com a visão da psicologia clínica do esporte. E aí o que que significa essa ‘clínica’? O que é diferente da psicologia clínica do esporte para uma psicologia do esporte? É que quando a gente coloca isso, clínica quer dizer que a gente está vendo também um ser humano além do atleta. Estamos vendo que os dois são um só.”
Plantando sementes
Com a imersão no taekwondo e também maior proximidade na igreja, em 2018, Victor assumiu outra função de liderança dentro da comunidade. Junto do professor Gabriel, ele se tornou professor auxiliar da modalidade em um projeto idealizado pelo pai.
“Meu pai sempre foi uma pessoa muito focada no preventivo e ele viu que o taekwondo seria um esporte que poderia ser um formador de cidadão, realmente um esporte que estaria contribuindo muito para a comunidade. E vendo essa importância que o taekwondo teve para minha vida, ele logo correu atrás de conseguir fornecer isso para os meninos do bairro. O bairro lá é muito carente, muitos meninos não têm muita opção, a maioria só conhece ali, nunca nem saiu da cidade. Então, meu pai correu atrás e iniciou esse projeto.”
Entre o início do segundo semestre de 2018 e março de 2020, o projeto atendia mais de 30 crianças, jovens e adultos do bairro e chegou a realizar exames de faixa e até formar atletas que disputam campeonatos hoje em dia.
Era um projeto que tava num crescimento muito, muito top, muito bom. A gente chegou a fazer vários exames de faixa e tal. Infelizmente, com a chegada da pandemia, a gente foi forçado a parar. Não estava certo se continuaria depois, mas acabou que teve a pandemia, a gente ficou fechado por um tempo muito grande e aí acabou que o Biel tomou outros rumos na vida dele. Eu também foquei mais na parte do esporte e infelizmente o projeto não teve força para voltar. Mas foi um período muito bom, muito importante para minha formação também. Eu pude ter um contato com o ensino e isso é muito top. E também poder estar fornecendo para uma gente que talvez não teria uma condição de estar se formando de uma forma tão boa e tendo contato com pessoas que realmente queriam o bem delas. Foi um período muito bom. E, igual meu pai falou, o taekwondo tem um papel de, além de formação de atleta, de formação de cidadão. E esse que é o objetivo central do esporte.

Fruto do projeto social, a jovem lutadora de taekwondo, Aisha Melo Frias, coleciona títulos estaduais e nacionais, mas além disso, conta como o esporte é importante em sua vida:
“Quando eu comecei tinha 7 anos e foi por causa do TDAH que tenho. Minha mãe não queria me dar medicação muito cedo, aí eu comecei para ter um desenvolvimento melhor.”
Hoje, com 13 anos, ela afirma que a prática da arte marcial a ajudou em sua concentração e também para fazer amizades. Segundo a atleta, também foi importante para poder prestar mais atenção nas aulas.
“Virou uma coisa meio comum pra mim, o taekwondo, sabe? Eu não conseguia, sei lá, socializar. Agora no taekwondo eu consigo. É uma coisa que eu não sei explicar muito bem.”
O pai da lutadora, Sr. Guilherme, que sempre a acompanha nos treinos, também destacou a importância que a arte marcial tem na vida da filha.
“A Aisha começou devido a uma professora indicar fazer um esporte, alguma coisa desse tipo, porque ela tem TDAH. Ela tinha dificuldade na escola, para aprender, desenvolver. E o taekwondo veio pra isso, para desenvolver ela, fazer ela focar mais nas coisas, discipliná-la, uma coisa que é muito importante. O taekwondo ensina o respeito, a convivência com as pessoas, Isso foi fundamental para ela. Hoje ela está bem adiantada, os resultados são excelentes na escola, devido ao taekwondo. Se não fosse o taekwondo, ela não teria esse avanço que tem hoje.”
Mesmo em meio a tantas melhorias, assim como Victor, Aisha também enfrentou dificuldades dentro do esporte e quis abandonar a luta.
“Quando eu comecei a perder as competições, eu estava me sentindo muito ruim. Isso foi me deixando mal. Só que agora, eu nem estou ligando muito para isso.”
A jovem, que começou a competir no início de 2022, deu uma pausa nas competições para focar nos treinamentos, mas já está voltando para tentar ingressar na seleção brasileira de 2024. Ela ainda ressaltou que pretende competir até onde o esporte a puder levar e uma das metas é chegar a lutar um campeonato mundial.
Além de títulos e competições, Aisha pretende seguir com o taekwondo para a vida. Ela afirmou que quer cursar educação física e se tornar professora e mestra da arte marcial.
Atualmente, Victor busca a permanência na seleção brasileira e intensifica seus treinos já que em 2024 compete na categoria principal. O foco na carreira de lutadora continua junto das dedicações em suas outras áreas da vida
“O taekwondo é de extrema importância para mim. Tanto dentro quanto fora dos tatames. Tenho certeza que tudo que eu aprendo me ajuda a, além de me tornar um grande atleta, me tornar uma grande pessoa.”


