2027 é no Brasil: Panorama e expectativas sobre a Copa do Mundo de Futebol Feminino

Por: Flaviane R.Eugênio (@flaviane.rodrigues) e Rafaela Souza (@rafarelasouza)

A madrugada do dia 17 de maio foi marcada por uma notícia muito comemorada pelos entusiastas da modalidade feminina: o Brasil finalmente será sede da Copa do Mundo de Futebol Feminino. Anfitrião da competição na modalidade masculina duas vezes (1950 e 2014), essa é a primeira vez que o país recebe o maior torneio de seleções femininas do mundo.

Apesar da comemoração e das expectativas que o evento gerou, o histórico do futebol de mulheres precisa ser ressaltado. Em um país marcado pela invisibilidade da modalidade, sediar a maior competição do futebol mundial é uma vitória e sobretudo uma superação. Principalmente daquelas e daqueles que fizeram e fazem a modalidade se desenvolver. 

Historicamente, o futebol de mulheres no Brasil é marcado pelos desafios, inclusive impedimentos legais, como a proibição da modalidade em 1941, durante o governo Vargas. O Decreto-lei nº 3.199 tinha como objetivo regulamentar o esporte nacional, indicando diretrizes para o seu desenvolvimento.

Dessa forma, algumas modalidades femininas, incluindo o futebol, foram proibidas, sob a justificativa de preservação do corpo feminino.  Silvana Goellner, importante pesquisadora da área do esporte e que se dedica ao futebol de mulheres, diz em um de seus trabalhos, que os ideais de feminilidade, como a beleza, a delicadeza e a maternidade, foram os principais argumentos para a sugestão de esportes moderados para o gênero feminino. No entanto, antes mesmo da proibição, as mulheres já enfrentavam desafios para a inserção no esporte, já que a presença era restrita ao embelezamento da modalidade. 

As consequências do impedimento do futebol de mulheres ainda reverberam. Para comprovar essa afirmação, diversos exemplos podem ser mencionados. Um deles é que a Seleção feminina só passou a ter destaque em 2007, pela conquista do Pan e da ascensão de Marta. Nessa época, a Seleção masculina já havia conquistado cinco Copas do Mundo. 

Apesar do histórico com a modalidade feminina, o Brasil ser o anfitrião da competição gera boas expectativas. Além de coroar o bom trabalho de diversas mulheres e aproximar o futebol feminino de quem luta para cobri-lo.

A preparação do Brasil para concorrer à candidatura

Essa não foi a primeira vez que o Brasil tentou sediar a Copa do Mundo de Futebol Feminino. Em 2019, o país também enviou a candidatura à FIFA, com o objetivo de receber a competição em 2023. No entanto, já em 2020, em um contexto de pandemia da Covid-19 e sob a responsabilidade do governo de Jair Bolsonaro, o Brasil desistiu da candidatura. Em nota oficial divulgada em junho de 2020, a CBF informou que a decisão foi tomada pela falta de apoio do governo federal, que não deu garantias de que seria possível realizar o evento:

Análise da FIFA sobre a documentação da candidatura brasileira considerou que não foram apresentadas as garantias do Governo Federal e documentos de terceiras partes, públicas e privadas, envolvidas na realização do evento.

Pouco tempo depois, a FIFA anunciou a vitória da candidatura conjunta entre Austrália e Nova Zelândia frente ao Japão e à Colômbia. A Copa de 2023 foi conquistada pela Espanha e teve vários recordes de público. Segundo o UOL, quase 500 mil pessoas estiveram nas arquibancadas da competição, com uma média de 54% de ocupação dos estádios, o que representa um aumento em relação ao mundial anterior, disputado na França em 2019.

Apesar da desistência para o Mundial de 2023, o Brasil retomou o assunto ainda naquele ano. Antes da apresentação oficial da campanha, a então Ministra do Esporte, Ana Moser, já estava atuando internamente no Governo Federal para viabilizar a candidatura e a vitória do Brasil como país-sede. Ela chegou a viajar para a Austrália a fim de acompanhar a competição in loco. Na época, após uma reunião com o presidente Lula que oficializava a “missão” de representar o Governo Federal na competição, a Ministra já mostrava o desejo e a expectativa de receber a competição:

Estamos às vésperas da Copa na Austrália e Nova Zelândia. Nesse timing, a gente se coloca forte para buscar a Copa do Mundo. Essa foi a missão dada pelo presidente: ir à Austrália, representar o governo, fazer todos os contatos e as conversas para viabilizar isso”

Já em 2024, com a candidatura oficial enviada pela FIFA, o Governo Federal, juntamente com integrantes da CBF, recebeu membros da Comitiva Oficial da FIFA, que vieram ao Brasil para uma visita de inspeção no contexto do processo de candidatura do país. O que reafirmou o compromisso em realizar a competição, especialmente porque o Brasil recebeu dois megaeventos recentemente, a Copa do Mundo de Futebol Masculino em 2014 e os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio em 2016, facilitando tanto em termos logísticos quanto em termos de estrutura.

Foto: Integrantes do Governo Federal, da FIFA e da CBF no Palácio do Planalto. Ricardo Stuckert / PR.

Segundo apuração do GE, além da infraestrutura dos estádios e arenas que já estão prontas, outros fatores importantes para a vitória do Brasil como país-sede foram:

  • hospedagem;
  • possibilidade de organizar locais para a Fifa organizar a tradicional “Fan Fest”;
  • apoio do Governo Federal para viabilizar a competição.

A importância das mulheres

Depois do anúncio da vitória do Brasil durante o Congresso da Fifa, realizado em Bangkok, na Tailândia, o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, enalteceu o trabalho feito pelas mulheres integrantes do comitê de candidatura do país. A comitiva foi liderada por Valesca Araújo, responsável pelo planejamento de infraestrutura e operações da Copa, e que atua com esportes há mais de 20 anos. Além de Valesca, a equipe também contou com nomes como Manuela Biz, consultora de Comunicação, e Luiza Iglesias, diretora de arte e criadora da marca e identidade visual da campanha. 

O papel de mulheres que atuam ou já atuaram no esporte também foi fundamental para o sucesso da candidatura. Além da participação de Ana Moser enquanto ocupava o cargo de Ministra do Esporte, a comitiva presencial enviada à Bangkok contou com nomes como Aline Pellegrino, Formiga e Rosana Augusto. A jogadora Marta também esteve presente durante a campanha de candidatura do Brasil em vídeos divulgados pela CBF com os principais motivos para a vitória do Brasil como sede do Mundial.

Rosana Augusto, Ednaldo Rodrigues e Formiga durante o Congresso da FIFA em Bangkok. Créditos: FIFA.

A expectativa é que a Copa do Mundo de Futebol Feminino 2027 aconteça entre os dias 24 de junho e 25 de julho, com a abertura e a final disputada no Maracanã. Confira os dez estádios previstos para receber os jogos da competição:

  • Maracanã
  • Neo Química Arena
  • Mané Garrincha
  • Fonte Nova
  • Beira-Rio
  • Mineirão
  • Arena Amazônia
  • Arena Pantanal
  • Castelão
  • Arena Pernambuco

Expectativas de quem noticia a modalidade feminina

Na contramão da invisibilidade histórica do futebol de mulheres na mídia tradicional, diversas iniciativas alternativas de jornalismo esportivo se dedicam a cobrir a modalidade mesmo com os desafios enfrentados, como a falta de apoio financeiro. Por isso, as expectativas de quem acompanha o futebol de mulheres de perto revelam um anseio pela transformação e valorização da modalidade. Maria dos Santos, que é jornalista e redatora do Futebol por Elas, aponta essas questões ao analisar as possíveis contribuições da Copa do Mundo no Brasil para o desenvolvimento da modalidade. 

“A escolha do Brasil para a Copa do Mundo feminina pode ser vista como uma oportunidade de transformar a percepção e o valor do futebol feminino no país. Então, com a visibilidade global que o evento proporciona, é uma chance para aumentar o investimento, melhorar as condições das jogadoras e poder inspirar também a nova geração que está chegando, de novas atletas.”

Maria dos Santos, redatora do Futebol por Elas. Créditos: acervo pessoal.

Os pontos destacados por Maria são compreensíveis, visto que a Copa do Mundo feminina de 2019 já havia sido um marco para a modalidade feminina, não só no Brasil. Sucesso que se repetiu em 2023 aumentando ainda mais o êxito da competição. Rafael Alves, que é idealizador do site Planeta Futebol Feminino, que fará 13 anos em agosto, analisa as possibilidades para a Copa do Mundo de 2027 com um olhar mais cético. Ressaltando os problemas atuais e pensando na profissionalização da modalidade. 

“Eu acho que, momentaneamente, o futebol brasileiro como um todo está com alguns problemas seríssimos. Talvez até sendo pragmático, em algum momento eu poderia pensar que o Brasil não mereceria fazer essa Copa. No entanto, eu acho que nesse momento que a gente está, ter uma Copa é fundamental para que se dê luz a problemas e que, obviamente, use em prol da categoria e do futebol de mulheres. Então, eu acho que essa Copa tem um fator muito essencial para que daqui a 5, 8, 10 anos a gente veja um outro futebol feminino. Um futebol feminino mais profissional”

Rafael Alves, comentarista e produtor de conteúdo. Créditos: acervo pessoal

Rafael acredita ainda que a partir da Copa da Copa do Mundo de 2027, seja possível pluralizar o futebol de mulheres. Não só no sentido social, como a inserção de mulheres em cargos de gestão, mas também dos times que compõem as principais competições femininas.

“Plural no sentido não só social da coisa, mas eu me refiro também aos próprios times.  Que não só os times do Sudeste ou do Sul tenham força, mas também os times do Norte e Nordeste. Que a gente tenha um amplo trabalho com base, que a gente tenha um amplo cenário onde mulheres estejam em cargos de liderança nos clubes e também nas federações, e que estruturalmente falando, o futebol de mulheres possa ter um outro patamar. Um patamar que melhorou, é verdade, mas ainda não estamos no ponto ideal”.

Como Maria e Rafael ressaltam,  com a competição no Brasil as aspirações sobre a valorização do futebol feminino aumentam, incluindo o pré e o pós Copa do Mundo. Para isso, é importante que além de investimentos, haja também cobertura do futebol feminino. Se historicamente a modalidade é menos noticiada no jornalismo esportivo, em iniciativas alternativas é mais recorrente. E é justamente nessas iniciativas que as histórias da modalidade são extensamente contadas. Contudo, com a competição no Brasil, também há expectativas em relação a cobertura da categoria, que ainda está longe do ideal na mídia tradicional, mesmo provando ter potencial para ser amplamente noticiada e assistida. 

“Comparando anos atrás, a gente consegue perceber uma pequena evolução, a prova disso foi a Copa do Mundo de 2023, feminina, que a gente pôde ver números significativos e avanços super legais, mas que ainda estamos muito longe do ideal. Então a gente espera que este ano, até a próxima Copa, seja promissor para a comunicação esportiva. Tem muita gente legal fazendo com que isso aconteça e vamos continuar lutando pelo futebol feminino e por todo o espaço que a modalidade merece na mídia”

Para Rafael, a cobertura da modalidade feminina evoluiu em alguma medida, porque antes não havia nenhum interesse na modalidade e hoje os próprios clubes querem contar a história da modalidade. Além disso, ele destaca uma mudança na forma como a cobertura é feita, e assim como Maria, redatora do Futebol por elas, ela pontua a importância das mídias alternativas para a modalidade feminina. 

“[A cobertura] Não é jocosa como era há alguns anos. Lógico, eu acho que quando a gente pensa no contexto de um país que é machista, muita coisa precisa ser feita ainda. A gente precisa olhar o futebol, o esporte como um todo, mulher e homem no futebol também, usando esse contexto [iniciativas alternativas] como um potencial de contar histórias também, de criar, gerar engajamento. As mídias alternativas foram fundamentais para a gente ver a imagem do futebol de mulheres que a gente vê hoje. Então, eu acho que, antes da gente ter essa percepção da mídia principal, que precisa melhorar muito ainda. Mas já demos um passo, eu acho que a mídia alternativa, a mídia independente, ela tem um fator importante na história como um todo.”

Rafael ainda destaca outras iniciativas que cobrem o futebol de mulheres, e criam diversas estratégias para noticiar a categoria, pautando inclusive o jornalismo esportivo tradicional.

“Poderia citar aqui vários, além do Planeta Futebol Feminino, Dibradoras, Fut das Minas Empório Futebol Feminino, enfim, tantos outros canais que olham pro futebol de mulheres no dia-a-dia, acompanham no dia-a-dia, criam linguagens para se falar, criam alternativas para se abordar e criam engajamento que é muito particular com a internet. Nessa esteira, eu acho que a mídia também vem desenvolvendo a sua maneira de tratar o futebol de mulheres e o esporte também de um modo geral.”

Maria e Rafael também falaram sobre os motivos que levaram o Brasil a ser escolhido em detrimento dos outros países que também se candidataram. E além da infraestrutura, que é um dos motivos formais da FIFA para a escolha do país sede, Maria menciona a tradição do Brasil no futebol. 

“Eu acredito que dois fatores foram importantes para essa escolha, é a história e a tradição do futebol. O Brasil é conhecido mundialmente como um país super rico na tradição no futebol, o que naturalmente atrai atenção e a paixão nacional pelo esporte pode ser vista como uma vantagem, sugerindo um potencial para atrair grandes públicos e também engajamento”

Rafael, que também citou a infraestrutura como um fator preponderante, pontua as questões políticas para a escolha da realização do evento.

O grande mérito da candidatura brasileira acho que tem um fator político. Um fator político no sentido de como foi articulado isso. A gente teve, por exemplo, a Ana Moser que esteve na Austrália no ano passado junto com a sua equipe e isso foi um dos fatores que fez com que o mundo olhasse para o Brasil. 

Ana Moser e Lula com a taça da Copa do Mundo em Brasília. Brasília – Marcelo Camargo/Agência Brasil

Quem acompanha de perto a modalidade feminina, vê com ótimos olhos a Copa do Mundo em 2027, mesmo com as limitações que são ressaltadas. A possibilidade de mais investimentos, assim como mais visibilidade, agrada até os mais céticos com o futebol apresentado pelo Brasil. Maria, por exemplo, é otimista, mas ressalta as questões técnicas. 

“As minhas expectativas são as melhores possíveis. A seleção brasileira possui profissionais excelentes e jogadoras super comprometidas e dedicadas. Óbvio que existem pontos técnicos a serem melhorados e tudo mais, mas eu estou muito animada para ver a nova geração de atletas que estão por vir. Acredito que o Brasil possa ser um dos favoritos, né? A gente não vai ter nossa querida Marta, infelizmente, mas a gente espera que ela também esteja muito envolvida nesse projeto da Copa do Mundo. Acredito que vai dar muito certo e estou muito animada e ansiosa, na expectativa para que venha 2027 e que o grupo feminino possa crescer cada vez mais.”

Rafael pontua que o caminho até 2027 ainda é longo, além de ressaltar que o trabalho do Arthur Elias é recente. Com um trabalho sério, o comentarista acredita que a seleção possa vislumbrar uma boa competição em casa. Para ele há jogadoras de qualidade e uma  base que vem se solidificando.

“Acho que com Artur Elias a gente pode alcançar um patamar ainda maior. E aí quem sabe em 2027 chegar numa condição de igual para igual com as principais seleções. O treinador tem tempo para isso, tem material de qualidade, eu acho que tem uma base que está chegando e é muito forte e vai ajudar muito nesse processo. Então dá para acreditar sim, mas é um caminho árduo, é um caminho longo e é um caminho que não dá garantia de nada. Mas o fato é que dá para se animar muito até lá, mas com os pés no chão, olhando as expectativas e acreditando nas coisas boas.”

 Faltam mais de mil dias para a Copa do Mundo de 2027. Até lá, a Seleção Brasileira tem uma série de compromissos oficiais, incluindo os Jogos Olímpicos de Paris 2024. Como foi pontuado pelos dois produtores de conteúdo que acompanham a modalidade, a Copa de 2027 pode ser um marco positivo para o desenvolvimento do futebol de mulheres no Brasil, como uma nova etapa após um passado e presente ainda tão marcado pela invisibilidade. Para isso, o incentivo das federações estaduais, da CBF e dos próprios clubes deve continuar aumentando nos próximos anos.

A melhor campanha da Seleção Brasileira feminina em Copas do Mundo aconteceu em 2007, quando a equipe perdeu a grande final para a Alemanha. Quase 20 anos depois, o Brasil tem mais uma chance de chegar à final e conquistar o tão sonhado título mundial, desta vez em casa e com o apoio daquelas e daqueles que não medem esforços para ver a consolidação e estruturação do futebol de mulheres no Brasil.



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Autor: revistamarta

A Revista Marta (https://revistamarta.com/) é um projeto de ensino e extensão do Departamento de Comunicação Social (DCS) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), cujo objetivo é produzir um jornalismo esportivo engajado, explicitamente antimachista, antirracista, anti-capacitista e anti-lgbtfóbico, buscando, nesse sentido, um nível maior de igualdade em termos de espaço dedicado a diferentes modalidades, atletas, fontes e temáticas. Produzida desde 2020 por estudantes dos cursos da Comunicação, a Revista Marta foi finalista do Expocom 2021 – Exposição de Pesquisa Experimental em Comunicação, prêmio destinado aos melhores trabalhos experimentais realizados exclusivamente no campo da Comunicação. É coordenada pelo Coletivo Marta - Grupo de Pesquisa em Comunicação e Culturas Esportivas (https://coletivomarta.org/).

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