Sócio-torcedor Galo na Veia Vingadoras gera dúvidas sobre a gestão do time feminino do Atlético e torcida se manifesta contra o descaso com a modalidade
Por Laura Dolabella (@laura_dolabella) e Rafaela Souza (@rafarelasouza)
No final de abril, o Clube Atlético Mineiro apresentou uma nova modalidade do plano de sócio-torcedor do clube, o Galo na Veia Vingadoras. Com um valor mensal de R$15,00, o objetivo do novo plano é converter toda a renda para o futebol feminino do clube, que atualmente é lanterna do Campeonato Brasileiro Série A1, com um empate e nove derrotas na competição.
O lançamento do GNV Vingadoras, anunciado em meio a esse cenário de baixo rendimento no principal campeonato da modalidade, reflete o crescente descaso da instituição com as chamadas “Vingadoras”.
A equipe feminina tem ficado para trás em relação a outros times que estão se profissionalizando cada vez mais, como o rival Cruzeiro, por exemplo. Diante desse cenário, a Revista Marta apurou as principais informações sobre o plano e a opinião da torcida em relação ao GNV Vingadoras.
Histórico recente de descaso e falta de estrutura
Apesar do histórico vitorioso no futebol feminino de Minas Gerais, o Atlético vive um momento de descaso e falta de estrutura para a modalidade. No começo do ano, conforme apurado pelo GE, a categoria de base do time teve suas atividades encerradas, e o atual presidente do clube, Sérgio Coelho, chegou a demonstrar que o time feminino não é prioridade do clube em diversas entrevistas.
Em dezembro do ano passado, por exemplo, Sérgio Coelho chegou a dizer que não sabia o orçamento do futebol feminino do Atlético e que a gestão da modalidade para os anos seguintes ainda não estava definida. Posteriormente, o CEO do clube, Bruno Muzzi explicou que o time feminino tem investimento de cerca de R$ 5 milhões para a temporada – valor abaixo da temporada anterior, que girava em torno de R$ 9 milhões. Na época, Muzzi disse que o Atlético ia buscar mais patrocinadores para melhorar a situação das Vingadoras, mas até o momento nenhum nome foi anunciado.
Paralelamente a isso, jogadoras do time relataram uma série de problemas nas condições de treinamento oferecidas pelo clube, como materiais esportivos insuficientes e gramados precários. Vale ressaltar que as jogadoras não treinam em Vespasiano, local em que os jogadores da modalidade masculina dispõem de um moderno centro de treinamento. Após as denúncias, elas foram realocadas para o campo revitalizado da Vila Olímpica.
Em nota, Atlético comenta os objetivos do GNV Vingadoras
O lançamento do GNV Vingadoras aconteceu em meio a esse cenário de descaso e falta de investimentos na modalidade. Em nota, o Atlético informou que o objetivo do GNV Vingadoras é “possibilitar a ampliação de investimento na modalidade e fomentá-la junto à torcida” e que a nova modalidade do programa sócio-torcedor traz um ganho institucional, pelo pioneirismo da iniciativa, e também um ganho financeiro.
Atualmente, além do Atlético, apenas a Ferroviária possui um programa de sócio torcedor exclusivamente voltado para o futebol feminino, lançado em abril deste ano.
“Há o ganho institucional, pelo pioneirismo da iniciativa, e o financeiro. Além de possibilitar que o torcedor ajude diretamente no crescimento da modalidade dentro do Galo.”, informou o Atlético por meio de nota oficial da assessoria.
As declarações oficiais do clube indicam que o interesse é fazer com que a modalidade cresça e recupere o histórico vencedor na capital mineira em uma parceria entre instituição e torcida. No entanto, a responsabilidade do desenvolvimento da modalidade não deve ser transferida para a torcida, como apontam os comentários negativos de torcedores na postagem de anúncio do novo plano de sócios divulgada no Instagram.
“O desprezo do Atlético pelas mulheres é tão grande que quer fazer a torcida se responsabilizar financeiramente pelo time? Pelamor!!! (sic) Quando serão anunciados investimentos no time em vez da destruição das categorias de base? O time tá na lanterna do campeonato, a camisa do Galo na lanterna do campeonato, e daqui a pouco a SAF vai dizer que é a ‘baixa adesão’ ao GNV que inviabiliza o futebol feminino no clube…” (Comentário de torcedora no Instagram)

Torcida se manifesta contra o descaso do clube
Uma das principais reclamações dos torcedores se refere às condições do GNV, que dá direito a “ingressos gratuitos para jogos do Galo FF, sempre que houver venda de ingresso”.
Apesar de ter tal benefício como principal “atrativo” do plano, o Atlético paralisou as vendas de ingressos após as manifestações de torcedores que pediam a melhoria das condições de estrutura para as Vingadoras. Com isso, a maioria das partidas como mandante estão sendo realizadas no SESC Venda Nova, com portões fechados ao público.
Além disso, quando os jogos não são realizados no SESC, as partidas acontecem em lugares muito distantes da capital, como o estádio Castor Cifuentes, em Nova Lima. Em reportagem anterior publicada na Revista Marta, algumas torcedoras relataram as dificuldades que enfrentam para assistir aos jogos nesses locais, reforçando a importância das Vingadoras jogarem na Arena MRV que, segundo informações oficiais divulgadas pelo clube, “foi projetada para ser a casa do Clube Atlético Mineiro”, mas que, até o momento, não foi palco de nenhum jogo do futebol feminino.
Perguntada sobre a adesão do plano, a assessoria do clube informou que “a adesão ainda é tímida até este momento”, mas os comentários da torcida no Instagram demonstram que a localidade dos jogos e os portões fechados são um desincentivo à afiliação do GNV Vingadoras.
“Inventa o GNV, mas quando tem jogo é portão fechado?”
“Mas pra que? Se os jogos estão sendo no sesc de portão fechado. Elas merecem mais do que isso @atletico” (Comentários de duas torcedoras no Instagram)
Os comentários dos torcedores não são isolados e refletem o descaso do clube com a modalidade. Segundo levantamento divulgado em 2023, o Atlético tem a quarta maior folha de pagamento do futebol brasileiro masculino. No entanto, a realidade do futebol de mulheres do clube é bem diferente. Ainda em 2023, várias jogadoras relataram insatisfações em relação às condições não apenas dos gramados de treinamento, mas também dos vestiários sujos, da falta de papel higiênico e da má remuneração.
Em meio a esse cenário, a torcida atleticana tem se manifestado cobrando mais incentivos e investimentos por parte do clube. No começo de 2024, a campanha “Vingadoras: Eu me importo” foi compartilhada por vários torcedores como uma forma de chamar a atenção do Atlético. Na época, o time estava sem comando e, enquanto outros clubes estavam se esforçando para a temporada de 2024, o Atlético já tinha perdido metade do elenco e não havia anunciado novos reforços.
Outras manifestações recentes da torcida contra o descaso com a modalidade, tanto de organizadas no geral quanto de torcidas dedicadas à modalidade, aconteceram após as derrotas de 6×0 para o São Paulo e de 4×0 para o rival Cruzeiro, ambas em partidas válidas pelo Campeonato Brasileiro A1. No caso do clássico, houve uma série de provocações por parte dos torcedores cruzeirenses e do próprio rival através de uma postagem no X (antigo Twitter):

Com essa sequência de resultados ruins, vários torcedores também chegaram a se manifestar através das redes sociais destacando que o clube precisa valorizar o futebol feminino, especialmente porque as jogadoras carregam a mesma camisa e nome do Atlético. Além disso, ter uma equipe feminina de futebol é um dos requisitos para que o time masculino participe de competições como a Copa Libertadores.
O cenário conturbado também reflete nos bastidores do clube alvinegro. Em 2023, durante a transição do clube para a SAF, o Atlético chegou a contratar a coordenadora técnica Januária Salles. A profissional ficou responsável pela reestruturação do futebol feminino do clube durante e após o processo de transição do clube para a SAF. No entanto, Janu deixou o clube por motivos pessoais recentemente, em meio a uma série de mudanças na categoria feminina do clube.

Mesmo com o histórico de pouco investimento, as Vingadoras foram campeãs do Campeonato Mineiro nos anos de 2020, 2021 e 2022 com um planejamento de gestão ainda de Sérgio Sette Câmara. Em uma coletiva de 2021, pouco antes de deixar o Atlético Mineiro, Sette declarou que tinha planos de aumentar os investimentos na modalidade nos próximos anos:
“Aqui no Atlético começamos com os pés no chão, sem fazer grandes investimentos, mas com o trabalho maravilhoso que a Nina vem fazendo, nós estamos estruturando e eu acredito o time feminino, assim como o masculino, em médio prazo, estará participando de grandes campeonatos não só no Brasil, mas também no exterior, porque nós também pensamos o futebol feminino como negócio. Até porque, aqui é um celeiro de craques, assim como acontece no masculino.”, pontuou.
A declaração do ex-presidente indicava uma posição de que o futebol feminino pode ser visto como um negócio, a partir de referências em times do exterior e em outros clubes do Brasil que investem na modalidade e que colhem os frutos dessa evolução.
No entanto, com a eleição de Sérgio Coelho em 2021 algumas coisas mudaram. O pouco incentivo que o clube oferecia para o time feminino foi praticamente cortado, resultando no desmonte da base, na realocação dos treinamentos e no baixo rendimento em campo, por exemplo. Além disso, com a mudança para a SAF, o clube também chegou a deixar claro que o desempenho esportivo da modalidade feminina não é prioridade neste ano.
Em meio a esse cenário de descaso e terceirização da responsabilidade de incentivo e investimento com o futebol feminino para a torcida, as Vingadoras têm mais cinco jogos do Campeonato Brasileiro A1 que devem acontecer ao longo do mês de junho.
Na lanterna, a equipe sofreu 34 gols e ainda não conseguiu vencer na competição. Para não ser rebaixado para a Série A2 de 2025, o Atlético precisa vencer os próximos jogos e torcer por tropeços de outros adversários. Para o restante da temporada de 2024, além dos jogos da reta final do Brasileirão, as Vingadoras devem disputar o Campeonato Mineiro Feminino no segundo semestre do ano.