“Quero deixar uma marca, meu próprio nome, meu próprio livro de recordes.”
Por Júlia Cruz (@juliakcruz)
Participar de uma Olimpíada, por si só, já é um grande feito para a Zâmbia de Barbra. A primeira vez foi em Tóquio. Agora imagine, logo em sua primeira participação, você conseguir escrever seu nome na história.
Nunca na história do futebol olímpico, feminino ou masculino, um(a) jogador(a) conseguiu marcar mais de um hat-trick em uma única edição de Olimpíadas. Além disso, aos 21 anos, ela também se tornou a jogadora mais jovem a marcar três gols em uma Olimpíada.
Não suficiente, ela volta três anos depois, agora em Paris 2024, e faz mais um e assim se consagra como a primeira jogadora (independente de gênero) a fazer um “hat-trick de hat-tricks” na história dos torneios olímpicos.
E o tamanho do feito de Barbra Banda é aumentado pelo contexto, considerando que ela representa um país sem tradição no esporte e com um elenco frágil em relação às grandes potências.
Mas afinal, quem é a ex-boxeadora profissional que se tornou a primeira mulher zambiana a jogar futebol profissional?
Onde tudo começou
Barbra iniciou sua trajetória no futebol nas ruas de Lusaka, a maior cidade da Zâmbia, situada no sul do país, onde seu talento rapidamente se destacou. Desde os seis anos de idade, ela já exibia uma habilidade impressionante com a bola.
Ela costumava jogar com meninos, pois a academia onde treinava não possuía um time feminino.
No entanto, devido às normas sociais de sua comunidade, sua mãe inicialmente desencorajou seu interesse pelo esporte, desejando que a filha focasse nos estudos.
Foi somente quando o pai de Banda, que também jogava como amador, revelou seu apoio ao interesse dela pelo futebol que Barbra percebeu que o esporte era algo que ela poderia seguir.
Banda também se envolveu bastante no boxe, inspirada na lutadora zambiana Catherine Phiri, a primeira africana a ser campeã do peso-galo no Conselho Mundial de Boxe.
Ela começou a lutar com 14 anos e era realmente boa, nunca perdendo uma luta, segundo ela mesma, chegando alguns campeonatos locais.
Ela chegou a conciliar os dois esportes enquanto estudava, mas teve que escolher qual caminho profissional seguir. Mesmo assim ela continua praticando boxeno seu tempo livre para aumentar a resistência, velocidade e agilidade em campo.
Em 2014, ela foi convocada para a Copa do Mundo FIFA Sub-17. Dois anos depois, em 2016, poucos meses antes do seu primeiro contrato profissional, seu pai que sem dúvida era seu maior apoiador, infelizmente faleceu tragicamente.
Em 2017, sua carreira profissional de fato começou quando ela assinou com o Green Buffaloes, um dos clubes mais bem-sucedidos do país, fazendo sua estreia na Super Divisão Feminina da FAZ, a primeira divisão do futebol feminino da Zâmbia.

Divulgação / Instagram Barbra Banda
Fazendo História
Em 2018, ela já havia se alistado no exército zambiano, algo comum entre muitos atletas africanos, mas foi dispensada após assinar um contrato de três anos com o clube espanhol Logroño, e fez história tornando-se a primeira jogadora de futebol zambiana a atuar na Europa.
Naquele momento, o Logroño competia na primeira divisão do futebol feminino espanhol, a La Liga F, enfrentando alguns dos maiores clubes do país, como Barcelona, Real Madrid e Atlético de Madrid.
Logo em sua temporada de estreia na La Liga F, ela marcou 17 gols, sendo a segunda maior artilheira, além de ter desempenhando um papel crucial na permanência do Logroño na elite do futebol espanhol.
Em 2020, Banda se juntou ao seu atual clube da Super Liga Chinesa, o Shanghai Shengli, e terminou sua primeira temporada como artilheira da liga.
Ajudando na classificação histórica que levou Zâmbia para sua primeira edição de Olimpíadas para Tóquio 2021 e liderando a primeira participação do país em um Copa do Mundo Feminina em 2023, ela não parece se cansar de constantemente fazer história, já que Banda também teve a honra de marcar o milésimo gol na Copa do Mundo Feminina na Austrália e Nova Zelândia em 2023, na vitória por 3X1 contra a Costa Rica.
Esse jogo fez com que as zambianas atingissem um pico inédito, escalando oito posições e ficando em 69° lugar no ranking de seleções femininas da FIFA, melhor posição da história.
“O futebol é um jogo de chances, portanto, se eu tiver a oportunidade de obter outro recorde, então sem dúvida tenho que usar essa oportunidade com sabedoria.”
No intervalo de sua estreia olímpica contra a Holanda, a Zâmbia estava perdendo por 6 a 1, e apesar do jogo ter terminado com a vitória da Holanda por 10 a 3, a capitã zambiana demonstrou uma energia impressionante ao marcar todos os gols da sua seleção, incluindo os dois últimos em um intervalo de dois minutos.
Seu segundo hat-trick ajudou as Copper Queens (Rainhas de Cobre), a conquistar seu primeiro ponto em Olímpiadas no empate por 4 a 4 contra a China.
Seus três gols nesta partida fizeram com que a Banda superasse a nigeriana Mercy Akide-Udoh (4) como a jogadora africana com mais gols em uma Olimpíada, e com seis gols no total, ela também se igualou à maior artilheira africana em uma edição dos Jogos Olímpicos. Seu compatriota Kalusha Bwalya marcou seis gols em Seul em 1988, assim como o ganês Kwame Ayey em Barcelona 1992.
Adversidades
A capitã da Zâmbia estava pronta para liderar sua nação na WAFCON (Copa Feminina Africana de Nações) em 2022, mas foi considerada inelegível pela FIFA, um dia antes do torneio iniciar, após um exame de verificação de gênero indicar que seus níveis naturais de testosterona eram “muito altos” para competir como mulher.
Sua ausência forçada foi especialmente intrigante, já que um ano antes ela estava competindo nas Olimpíadas de Tóquio.
Essa decisão controversa gerou forte reação negativa da Human Rights Watch, além de críticas de fãs de futebol e da imprensa esportiva.
Apesar de não poderem contar com sua maior jogadora, a seleção zambiana se esforçou ao máximo. O torneio era fundamental, pois servia como um evento de qualificação para a Copa do Mundo, que a Zâmbia nunca havia alcançado.
Elas travaram jogos difíceis contra seleções favoritas, e quando venceram Senegal nos pênaltis e avançaram à semifinal elas garantiram sua participação inédita no Mundial.
A exclusão de Banda da WAFCON de 2022 desencadeou uma revisão da política de restrições de elegibilidade de gênero da FIFA e, em dezembro do mesmo ano, a entidade global do futebol confirmou que Banda estaria apta a jogar na Copa do Mundo Feminina de 2023.
Essa decisão foi amplamente celebrada, não apenas pelos fãs de futebol da Zâmbia, mas também por amantes do esporte em todo o mundo.
Paris 2024
Apesar de não ter avançado para o mata-mata, a Zâmbia fechou sua segunda participação em Jogos com muitos gols marcados, a maioria marcados por Barbra.
O jogo de estreia foi bastante complicado pois enfrentaram de cara as maiores campeãs olímpicas, a seleção dos Estados Unidos, e finalizaram sem ganhar.
O segundo jogo, contra a Austrália, foi um dos jogos mais interessantes de todo torneio, principalmente pela quantidade de gols na partida: onze.
As Copper Queens chegaram a abrir 5 a 2 de vantagem em cima das Matildas até os 12 minutos do segundo tempo, e estavam muito próximas de conquistar sua primeira vitória na história do torneio. No entanto, sofreram quatro gols na reta final e acabaram levando a virada.
Barbra deu um show de atuação e marcou um hat-trick, com os 3 gols sendo marcados ainda no primeiro tempo. Foi o único hat-trick da edição e o terceiro de Banda em torneios olimpicos.
O último jogo da Zâmbia também foi marcado por derrota. Elas enfrentaram a Alemanha, e o jogo encerrou com o placar de 4×1 para as alemãs. O gol zambiano foi marcado por Barbra, já no segundo tempo, e com isso ela vai a quatro gols na competição a deixando na segunda posição da artilharia feminina da, atrás apenas da atacante francesa Katoto, com cinco gols.
Próxima conquista: Ser a melhor do mundo
Em março deste ano, Barbra iniciou uma nova etapa na sua carreira, que pode ser a maior até o momento. Ela se transferiu do futebol chinês para a liga estadunidense, indo jogar ao lado da rainha Marta pelo Orlando Pride, da Flórida.
No total, a contratação de Banda pelo Pride marcará um dos maiores investimentos all-in em uma jogadora na história da National Women’s Soccer League e se tornou a segunda transferência feminina mais cara da história.
Banda se junta ao Pride em um contrato de quatro anos e se tornará uma das jogadoras mais bem pagas da NWSL dos Estados Unidos.
Banda disse em entrevista a fifa.com que sempre admirou e teve Marta como exemplo desde que era jovem, e que está aprendendo muito com ela como companheira de equipe.
“Ela é meu ídolo há muito tempo e vê-la fazer o que está fazendo é incrível.”
Com apenas 24 anos, Barbra Banda já escreveu seu nome nos livros de história em diversas ocasiões. Desde seus hat-tricks consecutivos nas Olimpíadas até se tornar a primeira mulher zambiana a jogar na Europa, Banda está transformando a percepção do futebol feminino em seu país natal.
A participação das meninas zâmbianas no futebol aumentou, graças ao exemplo de Barbra, elas a vêm como uma heroína nacional e isso se reflete com o país tendo cada vez mais jogadoras profissionais e não amadoras.
E Banda aproveita da sua importância e também concentra seus esforços em sua fundação que leva seu nome e tem como objetivo combater a violência de gênero.
“Eu sei que as pessoas estão falando muito sobre mim, isso me motiva. Isso me dá coragem para dizer ok, ‘se todos estão me admirando, então eu tenho que fazer o meu melhor e mostrar a eles o quão orgulhosos eles estão de mim.’”
Após a partida da fase de grupos nas Olimpíadas de Tóquio, onde a Zâmbia conseguiu seu primeiro ponto no torneio, Barbra disse em coletiva que seu objetivo era ser a melhor jogadora do mundo.
“É bom fazer história quando você tem a oportunidade, então eu só tenho que continuar trabalhando duro e quebrando mais história, ainda tenho um longo caminho a percorrer, só preciso ser disciplinada porque meu objetivo é me tornar a melhor jogadora de futebol do mundo.”
E quase batendo a marca de 500 gols marcados na carreira, Banda é a prova viva de que o talento para o futebol pode surgir em qualquer lugar do mundo, mas é essencial investir e acreditar nesses talentos promissores para que possam se transformar em histórias de sucesso, capazes de inspirar as próximas gerações.