
Estamos fechando a primeira semana do grand slam francês e nos últimos dias um tema que tem sido discutido em todas as últimas edições do torneio voltou à tona: a exclusão das mulheres da sessão noturna.
Para contextualizar: o Aberto da França introduziu em 2021 a sessão noturna em sua quadra principal, a Philippe Chatrier. Essa sessão noturna em outros dois grand slams, Aberto da Austrália e dos EUA, é formada em geral por dois jogos, um feminino e um masculino. Wimbledon não vende tickets para sessão noturna e os jogos são finalizados às 23h da noite.
Em Roland Garros, a sessão noturna tem apenas um jogo e, historicamente, desde a introdução desta, apenas quatro jogos de mulheres foram disputados em 48 partidas — incluindo a deste sábado, dia 31 de maio de 2025, que teve Novak Djokovic fechando a programação do dia contra o jogador austríaco Filip Misolic. Ou seja, foram 44 jogos de homens e apenas 4 de mulheres naquele que muitas vezes é visto como “o jogo do dia”.
Para se ter ideia, o último jogo de mulheres a ocorrer na sessão noturna foi Aryna Sabalenka contra Sloane Stephens em 2023.

Roland Garros: paridade de premiação tardia e direção feminina
Alguns pontos chamam a atenção na discussão sobre a exclusão de mulheres da sessão noturna. Um primeiro é que o torneio historicamente foi o último dos grand slams a adotar a paridade de premiação entre homens e mulheres, tardiamente em 2007 (junto com Wimbledon). O primeiro, o Aberto dos EUA, adotou a medida em 1973. Em 1984, o Aberto da Austrália foi o segundo a adotar a paridade, medida que foi revertida em 1996, quando o torneio australiano voltou a pagar mais premiações para a chave masculina com a justificativa de que o jogo de homens dava mais audiência. Em 2001, a paridade foi mais uma vez adotada e é mantida desde então.
Outro ponto que chama a atenção é que Roland Garros tem uma diretora mulher, a ex-atleta francesa e ex-número 1 do mundo Amélie Mauresmo. Amélie foi uma das primeiras atletas a se manifestar em 2007 quando Roland Garros adotou a paridade e teve um papel importante ao ser, entre 2014 e 2016, uma das poucas mulheres que já atuaram na história da modalidade como treinadora de um jogador no topo do circuito masculino do tênis profissional, no caso, do britânico Andy Murray. Amélie assim como a própria mãe de Murray, Judy, tiveram certamente um impacto na consciência de gênero que Murray historicamente demonstrou ao longo de sua carreira, sempre defendendo o tênis feminino, corrigindo jornalistas que invisibilizam conquistas femininas, entre outras situações.
Explicações da organização do evento
Com a ausência de mulheres nas sessões noturnas na primeira semana do torneio em 2025 a questão voltou a ser discutida. Nos primeiros dias, o presidente da Federação Francesa de Tênis, Gilles Moretton, havia se manifestado dizendo que é preciso “colocar a melhor partida [na sessão noturna] por causa do público”. Curiosamente, logo depois, na quarta (dia 28), jogaram na sessão noturna o dinamarquês Holger Rune (12 do mundo) e o estadunidense Emilia Nava (137 do mundo).
No mesmo dia, mais cedo, se enfrentaram a polonesa e tetra campeã de Roland Garros Iga Swiatek (atualmente 5 do mundo, mas que já foi a líder do ranking da WTA) e a britânica Emma Raducanu (vencedora do Aberto dos EUA em 2021, atualmente 41 do mundo). O jogo certamente era melhor partida do que a escolha masculina usando qualquer parâmetro que fosse (atletas de melhor ranking, mais populares). Iga Swiatek é, inclusive, a atual campeã do torneio e Emma Raducanu, apesar de hoje ser 41 do mundo, é altamente popular, sendo uma das atletas entre homens e mulheres com mais seguidores no Instagram.
Amélie Mauresmo em outras ocasiões já havia dito que o jogo da noite é frequentemente um jogo masculino em função do formato, em melhor de cinco sets (as mulheres jogam em melhor de três sets), que garante mais tempo de partida para o público que compra o ingresso exclusivamente para esta sessão. Também já foi mencionado que Roland Garros tem um contrato com a Amazon Prime para transmissão diária da sessão noturna que ocorre no horário nobre na Europa nos primeiros 10 dias do torneio. Nesta sexta, a diretora de Roland Garros afirmou que nenhuma atleta, atual ou que já se aposentou, reclamou sobre isso e pediu para que o assunto mudasse quando um repórter tentou retornar ao tema na coletiva de imprensa.
Manifestação de Ons Jabeur
Porém, várias tenistas se manifestaram na última semana quando questionadas nas coletivas, com destaque para o firme posicionamento de Ons Jabeur, jogadora tunisiana e ex-número 2 do mundo, que afirmou que a decisão é “lamentável para o esporte feminino em geral. Não para o tênis, mas em geral”. Ons, uma das atletas mais populares do circuito e que historicamente tem se manifestado sobre questões políticas como o genocídio na Faixa de Gaza falou longamente sobre o assunto destacando que:
“É um pouco irônico. Eles não mostram esporte feminino, não mostram tênis feminino, e aí se questionam: “É, mas o público quer ver os homens. É claro que eles assistem mais aos homens porque vocês mostram mais homens. Tudo está relacionado”.
Neste domingo (01), o jogo da sessão noturna será mais uma vez masculino: o italiano Lorenzo Musetti (8 do mundo) contra o dinamarquês Holger Rune (10 do mundo). Na hora do almoço, Iga Swiatek enfrenta a cazaque Elena Rybakina (12 do mundo, ex-número 3 e vencedora de Wimbledon em 2022). Se somarmos os grand slams de Iga e Rybakina, temos seis títulos. Musetti e Rune nunca ganharam grand slam. Nem final fizeram.
A repercussão internacional do caso abaixo: