Apostadores são responsáveis por até 77% dos ataques online recebidos por mulheres tenistas

Na última semana, a Associação de Tênis Feminino (WTA) em parceria com a Federação Internacional de Tênis (ITF) divulgou um relatório com dados sobre abusos virtuais contra atletas nas redes sociais digitais. O relatório, resultado do trabalho prestado por uma consultoria externa contratada pela WTA e ITF, apresenta dados envolvendo todo o ano de 2024. Esses dados incluem a análise de 1.6 milhões de posts/ comentários em diversas plataformas e denúncias feitas por atletas às entidades. 

Os números são alarmantes: durante o ano de 2024, 458 atletas (entre mulheres e homens) foram alvo de ameaças e abuso online. Na análise dos posts/comentários, 40% de todas as mensagens de ataque foram enviadas por apostadores. Já no caso das denúncias de abuso feitas pelas/os atletas (a partir de mensagens recebidas via mensagens diretas, email e outras vias), 77% se deviam à ação de apostadores.

A divulgação do relatório acontece em meio a diversos casos que ganharam pouca repercussão midiática, mas circularam em algum nível, principalmente nas redes sociais digitais, nos últimos dois anos. E revelam impactos danosos e menos visíveis das casas de aposta para o esporte: a violência cotidiana, via redes sociais, contra atletas.

Denúncias recentes de mulheres tenistas

Alguns casos chamaram atenção para quem acompanha o mundo do tênis. Em abril de 2025, a tenista tcheca Marketa Vondrousova, campeã de Wimbledon em 2023, compartilhou nas redes sociais os ataques que havia recebido imediatamente depois de sair derrotada de um jogo em Abu Dhabi contra a suíça Belinda Bencic. As mensagens incluíam ameaças de morte.

Print de mensagens compartilhadas por Marketa Vondrousova em 06 de fevereiro de 2025 nos stories do Instagram @marketavondrousova

Em março, foi a vez da sensação russa, Mirra Andreeva, compartilhar nas redes sociais a enxurrada de ódio que recebeu após ser derrotada no Aberto de Miami, vinda de uma sequência de 13 vitórias, que incluíam jogos contra grandes nomes do esporte como Elena Rybakina, Iga Swiatek e Aryna Sabalenka em rota para vencer os dois maiores títulos de sua precoce carreira: WTA 1000 de Dubai e Indian Wells. 

Na última semana, foi a vez da britânica Katie Boulter denunciar os abusos online que vem recebendo. Os ataques incluem ameaças de morte a ela e membros de sua família.

Homens tenistas também são alvo

Os tenistas homens também têm denunciado ataques online. No contexto da publicação do estudo, o espanhol Carlos Alcaraz revelou receber ataques nas redes sociais especialmente em momentos difíceis quando, segundo o tenista, aprendeu a não olhar mensagens nas plataformas.

Há pouco mais de uma semana, o experiente francês Gael Monfils decidiu responder aos ataques recebidos depois de ser eliminado na primeira rodada do ATP de Stuttgart com ironia. Em vídeo que viralizou nas redes sociais, ele avisa os apostadores que “não estava dando conselho financeiro” mas questionava: “sério, vocês ainda estão apostando em mim? Meu primeiro torneio na grama, eu jogo com o Alex Michelsen, que tem 20 anos e é o número 35 do mundo, e vocês estão apostando em mim?”. Na sequência, o tenista revelou o teor dos ataques: “nós estamos em 2025 e vocês me mandam insultos pela cor da minha pele”.

Ataques não são brincadeira

Apesar de Monfils escolher o caminho do humor para responder ao abuso, os casos mostram que atletas diversos são vítimas de tipos específicos de discurso de ódio, insultos e ameaças. Mulheres são frequentemente atacadas com discursos misóginos e machistas. Pessoas negras com insultos racistas e atletas LGBTQIA+ com expressões homofóbicas. Atletas em situações mais vulneráveis podem sofrer os impactos da violência de forma mais intensa.

É o que mostra estudo recente feito com atletas profissionais na Austrália que chama a atenção para os efeitos que os ataques online podem ter para mulheres atletas: 85% relatam efeitos no bem estar, 71% na performance atlética e 81% em oportunidades financeiras, já que muitas vezes, ao serem vítimas de abuso virtual, muitas escolhem fechar suas contas em redes sociais ou parar de postar sobre certos tópicos, o que acaba limitando as oportunidades de patrocínio e visibilidade.

O mesmo estudo indica que 16% das mulheres atletas não sabem muito o que fazer nestas situações e, entre aquelas que foram atacadas, 53% não procuraram suporte de nenhuma natureza. Entre as que denunciaram abusos, 80% não se sentiram mais seguras depois de fazerem a denúncia e apenas 10% o fizeram com a polícia. 

O estudo afirma que há uma naturalização da violência e que muitas atletas em alguma medida se auto-responsabilizam pelos ataques quando procuram resolver a questão por si mesmas: gerenciando o que fazem na Internet.

Reações entre jogadoras

A tenista estadunidense Jessica Pegula, integrante do conselho de atletas da WTA, reconheceu a importância das ações, mas destacou que é preciso ir além e cobrar as plataformas de mídia social e a indústria de apostas sobre a questão:

“O abuso online é inaceitável e algo que nenhum jogador deveria ter que suportar. Saúdo o trabalho que a WTA e a ITF estão realizando para identificar e tomar medidas contra os abusadores, cujo comportamento é frequentemente associado a jogos de azar. Mas isso por si só não basta. É hora da indústria de apostas e as empresas de mídia social atacarem o problema na origem e agirem para proteger todos que enfrentam essas ameaças”.

Mais detalhes do estudo da WTA

A parceria da WTA/ITF com a consultoria começou em 2024 e tem incluído a análise de dados de redes sociais, serviço de denúncia para atletas, avaliações de risco e encaminhamento de casos para a Justiça de diferentes países. 

Além de indicar que grande parte do abuso online que atletas recebem advém de apostadores, o estudo também aponta que um conjunto reduzido de contas é responsável pela maior parte dos insultos. Na análise das mensagens, foram identificadas 97 contas que eram responsáveis por 23% de todo o abuso detectado.

Algumas das ações que resultaram do trabalho são: 15 casos que foram investigados em mais detalhes e encaminhados à polícia em virtude da gravidade (desses, três foram entregues ao FBI e 12 às forças policiais de outros países); e os dados de contas relevantes foram compartilhados com times de segurança e administradores de eventos para barrar o acesso de abusadores aos complexos esportivos e impedir a compra de tickets. 

De acordo com a WTA, as denúncias feitas diretamente por atletas têm aumentado conforme as/os tenistas e suas/seus agentes se tornam mais conscientes do que a consultoria oferece (atuando como um serviço de suporte para atletas mulheres e homens que participam de torneios da ITF).

Os detalhes do estudo são encontrados no site da WTA.

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Autor: Ana Carolina Vimieiro

Professora da UFMG e coordenadora do Coletivo Marta (https://coletivomarta.org/). Jornalista, atleticana e "tenista" nas horas vagas.

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