Por Felipe Gonzaga, Vinícius Yutaka e Matheus Ribeiro, estudantes de Relações Públicas e Jornalismo da UFMG
O futebol feminino brasileiro vive atualmente um período de transição decisivo. Trata-se de uma fase marcada por uma tensão permanente entre duas demandas igualmente urgentes: de um lado, a cobrança imediata por resultados expressivos dentro de campo, que alimentem a paixão da torcida e sustentem a visibilidade do time; de outro, a necessidade de estruturar bases sólidas, capazes de assegurar profissionalização e longevidade ao projeto.
No Cruzeiro, esse desafio tem um rosto: Bárbara Fonseca, atual diretora de futebol feminino. Iniciando sua trajetória no clube em 2019, Bárbara assumiu a coordenação do futebol feminino, e desde então esteve envolvida diretamente no dia a dia da modalidade. Era responsável por organizar a logística das competições, dar suporte às atletas e à comissão técnica e intermediar demandas administrativas, garantindo que tudo funcionasse mesmo nos momentos de maior dificuldade.
Nesse período, o time conquistou o acesso à Série A1, se manteve na divisão em 2020, 2021 e 2022 e apenas começou a ser competitivo em 2023. Quando Kin Saito deixou o cargo de diretora em outubro de 2024, a escolha de Bárbara para assumir a função foi vista como um passo natural: já conhecia profundamente os desafios do departamento e tinha legitimidade junto ao grupo. Desde então, transformou a equipe em referência administrativa e estratégica em um momento de reestruturação profunda. A missão da gestora é equilibrar expectativas da torcida, garantir condições de trabalho adequadas às atletas e, ao mesmo tempo, projetar um caminho de crescimento sustentável para que o clube alcance um novo patamar dentro do cenário nacional.
O reconhecimento de seu trabalho vinha não apenas da familiaridade com a rotina, mas também da postura estratégica que demonstrava nos momentos de planejamento. Bárbara sempre deixou claro que sua visão não se restringia às urgências imediatas, mas incluía também a construção de soluções de médio e longo prazo. Ao ser apresentada oficialmente no novo cargo, reforçou essa perspectiva em tom firme: “Nosso compromisso é manter a competitividade com investimentos responsáveis”, declarou.
A frase sintetiza o espírito de sua gestão, que busca conciliar ambição esportiva com responsabilidade administrativa. Para ela, não basta responder rapidamente às pressões do calendário ou às expectativas externas; é necessário evitar medidas improvisadas e adotar um modelo de gestão sustentável, capaz de fortalecer o projeto e garantir consistência para os próximos anos.
Desde então, Bárbara Fonseca tem se mostrado uma gestora pragmática e comunicativa. Concede entrevistas a veículos especializados, participa de programas oficiais do clube e utiliza suas redes sociais para dar transparência ao trabalho. No Instagram e no X (antigo Twitter), registra bastidores de treinos, interage com torcedoras e torcedores e publica mensagens institucionais.

“A imprensa ainda não tem interesse em cobrir o dia a dia do Departamento, hoje já avançamos muito mas ainda muita coisa fica longe do torcedor. Nosso principal e maior cliente é o torcedor, é por ele que tudo isso existe e é nele que as informações tem que chegar. Continuaremos sempre apresentando nossa rotina, decisões, vitórias e derrotas ao torcedor porque contamos com ele para crescer cada vez mais e como ele pode se sentir identificado se ele não nos conhecer. Pilar principal para o desenvolvimento”, afirmou a gestora em entrevista exclusiva para a Revista Marta.
Essa postura transparente dá legitimidade ao projeto, mostrando que existe planejamento e responsabilidade em cada passo dado. Em um cenário no qual o futebol feminino ainda busca conquistar espaço, esse tipo de comunicação aberta se torna um diferencial importante, ajudando a construir credibilidade institucional e a fortalecer a imagem do Cruzeiro como um clube que leva a modalidade a sério.
A diretora também tem adotado postura firme em defesa de direitos trabalhistas e da profissionalização do futebol feminino. Após a final histórica contra o Corinthians, em 2025, ela publicou nas redes sociais: “Salário todo dia primeiro. Imagem todo dia dez. FGTS na conta. Aqui ninguém bate palma para irresponsabilidade”. Sobre esse posicionamento, Babi também declara:
“Essa frase foi para expressar o absurdo que está sendo fazerem piada com um ato administrativamente irresponsável. Em um passado recente o Cruzeiro Associação sofreu com dívidas, o que resultou em atrasos de salários e outras situações indignas. Eu jamais me silenciei durante esse período, eu desafiava diariamente toda a cúpula do Cruzeiro a encontrar soluções, principalmente porque à época o salário não permitia a atletas ter qualquer economia que cobrisse esses atrasos. Eu já emprestei dinheiro para atleta, eu comprei refeições com meu dinheiro para atletas, eu já disse publicamente o quanto terrível era o Cruzeiro colocar as atletas naquela situação. Por isso, eu resumo posso dizer que em 12 anos enquanto Gestora de Futebol Feminino, jamais me silenciei ou negligenciei a luta por respeito e um trabalho digno. Me sinto parte dessa batalha vencida. Hoje o Cruzeiro, além de manter as obrigações em dia, entrega de ponta a ponta todo o cuidado e respeito que as atletas merecem”.
Entre suas responsabilidades, estão a montagem do elenco profissional, as negociações de renovações e contratações, além da estruturação das categorias de base. Logo nos primeiros meses na direção, Bárbara anunciou a criação da categoria Sub-17, considerada estratégica para a formação de atletas e para a consolidação da base azul.
“Com a criação da categoria Sub-17, o Cruzeiro dá um passo fundamental no fortalecimento do futebol feminino. Até então, não contávamos com categorias de base estruturadas, e muitas jovens não tinham oportunidade de acessar o clube ou se desenvolver de forma adequada. O Sub-17 nasce justamente para suprir essa carência, oferecendo às meninas a chance de iniciar um processo formativo dentro do Cruzeiro, com acompanhamento técnico, físico e tático de qualidade. Além disso, passamos a participar das competições oficiais da CBF e FMF na categoria, o que garante visibilidade, ritmo de jogo e experiência competitiva. Essa iniciativa marca o início de um projeto sólido, que vai permitir revelar e preparar talentos para, no futuro, integrarem o nosso time profissional”, destaca Bárbara.
Em entrevistas recentes, ela revelou já ter definido treinadores para a equipe Sub-17, insistindo que “a formação precisa ter um DNA próprio”. Essa fala sintetiza sua visão sobre o futebol feminino: mais do que conquistar vitórias imediatas, é fundamental criar processos que formem atletas e consolidem a modalidade dentro do clube. O projeto de base é tratado como prioridade, em sintonia com uma tendência nacional de valorização das categorias de formação. O fortalecimento da base também esteve presente em uma fala marcante concedida ao jornal O Tempo: “Logo, logo vamos entregar uma categoria de base que o torcedor merece”. A declaração gerou expectativas entre as e os cruzeirenses, especialmente aqueles que vivem longe da capital.
“Faz parte da nossa missão incentivar e potencializar os poucos projetos que olham para as meninas com carinho no interior e faremos isso, dando oportunidade dessas atletas continuarem a sua formação no Cruzeiro, podendo representar essa força do interior”, afirma.
O mercado de contratações também tem sido uma vitrine para sua gestão. Em 2025, por exemplo, Bárbara conduziu negociações que renderam reforços estratégicos, como a volante mexicana Monse Ayala, apresentada como peça de reposição importante para o meio-campo. A criação de ídolas é um dos pontos centrais para aproximar torcedoras e torcedores da equipe:
“Para isso, investimos em ações de comunicação, produzindo conteúdos que mostrem não apenas o desempenho em campo, mas também as histórias, a trajetória e a personalidade das nossas jogadoras. Além disso, sempre orientamos as atletas da importância de atender nossos torcedores sempre que houver demandas, nos momentos de trabalho e até mesmo nas folgas, especialmente meninas que enxergam nas atletas exemplos a seguir porque acreditamos que, ao dar visibilidade às nossas jogadoras e fortalecer esse vínculo emocional com a torcida, criamos um ambiente em que elas podem se tornar verdadeiras referências para as novas gerações.”
Sua figura aparece como porta-voz de um Cruzeiro que deseja crescer sem perder o equilíbrio financeiro. O mote “competitividade e sustentabilidade” tem se tornado recorrente em suas falas, sinalizando uma postura cuidadosa em relação aos investimentos.
Em 2026, o Cruzeiro terá pela primeira vez um calendário que inclui quatro competições em uma mesma temporada. Ao ser questionada sobre a estratégia para esse novo momento, a diretora prometeu competitividade:
“Não vamos priorizar qualquer competição, todas serão encaradas com o mesmo objetivo que será de buscar títulos e continuar fazendo história. Acabou a ideia de projeto de futebol feminino do Cruzeiro, buscamos a consolidação e devemos entregar os resultados.”
Outro traço que se destaca no perfil de Bárbara Fonseca é o cuidado constante com a institucionalidade, uma característica que demonstra a forma como ela entende a gestão do futebol feminino para além do campo. Sua rotina inclui participação ativa em reuniões estratégicas com diferentes setores do clube, nas quais dialoga diretamente com dirigentes de peso, incluindo o próprio presidente Pedrinho. Nesses encontros, sua atuação não se limita a ouvir decisões já tomadas; ela busca assegurar que o projeto feminino esteja sempre alinhado às diretrizes maiores que norteiam o Cruzeiro como um todo, evitando que a categoria seja tratada como algo à parte ou secundário.
Esse alinhamento passa por defender orçamentos, negociar prioridades e construir consensos em torno das necessidades específicas do time feminino. Trata-se de uma tarefa delicada, que exige habilidade política para equilibrar recursos entre diferentes áreas do clube sem perder de vista a relevância da modalidade. Um exemplo recente desse processo foi dado logo após a derrota na final do Campeonato Brasileiro, no último domingo (14). Apesar do resultado em campo, o dono da SAF manifestou publicamente sua satisfação com o desempenho da equipe e garantiu a manutenção dos investimentos feitos na categoria, algo que reforça a confiança no trabalho conduzido pela diretoria.
Acho que, pelo pouco tempo do nosso time feminino, nós fomos campeões, né… Chegar na final com o Corinthians, um time acostumado a ganhar, que está na nossa frente… Estamos muito felizes, tudo inédito, a final, a vaga na Libertadores. As meninas estão de parabéns, todo nosso grupo… Só tenho que dar parabéns para elas e para o Corinthians – disse o mandatário em entrevista concedida ao O Tempo. – Vamos ter uma reunião com nossa direção, e o que tiver de ser feito nós vamos fazer – completou.

O discurso de Bárbara, portanto, não se restringe ao aspecto técnico ou administrativo. Ele é, em grande medida, também político, já que seu objetivo é consolidar de maneira definitiva o futebol feminino como parte indissociável da identidade do Cruzeiro. Ao assumir essa postura, ela não apenas reivindica espaço institucional para a modalidade, mas também projeta o departamento como um elemento estratégico dentro da visão de futuro do clube. Assim, sua liderança contribui para que o futebol feminino não seja apenas um apêndice, mas um pilar essencial na construção de um Cruzeiro mais inclusivo, moderno e representativo.
Apesar de estar à frente de um setor em expansão, sua atuação ainda é recente em termos de direção executiva. Isso significa que muitos dos frutos de seu trabalho serão percebidos apenas nos próximos anos, principalmente na transição entre categorias de base e equipe profissional. Há, portanto, uma expectativa em torno de como Bárbara lidará com desafios estruturais típicos da modalidade no Brasil: a manutenção de patrocínios, a criação de calendário competitivo e a integração com o futebol masculino sem perder autonomia.
Por fim, olhando para o longo prazo, Bárbara reflete sobre o legado que pretende deixar à frente do departamento.
“Quando penso a longo prazo, o que eu gostaria de deixar como marca da nossa gestão é a consolidação de um projeto estruturado e sustentável para o futebol feminino do Cruzeiro. Não se trata apenas de resultados imediatos, mas de criar bases sólidas que garantam a formação de atletas, a valorização das nossas jogadoras e a construção de uma identidade forte com a nossa torcida. Queremos que o Cruzeiro seja reconhecido não apenas como um clube que tem uma equipe feminina, mas como uma instituição que investe, acredita e transforma a realidade de meninas e mulheres através do futebol. Se eu conseguir deixar esse legado de profissionalismo, continuidade e inspiração para as próximas gestão, sentirei que o meu trabalho cumpriu o seu propósito”, finaliza a gestora.
O que parece claro é que Bárbara Fonseca combina três elementos que a colocam como um nome de destaque no cenário da gestão esportiva feminina: conhecimento acumulado do cotidiano do Cruzeiro, capacidade de articulação institucional e preocupação com a sustentabilidade. Em um contexto ainda marcado por instabilidades, seu perfil representa uma aposta na consolidação de processos. Se os próximos anos confirmarem esse caminho, seu nome deve ganhar ainda mais relevância nacionalmente, como exemplo de dirigente que alia pragmatismo e visão estratégica.
Expediente
Redação: Felipe Gonzaga, Vinícius Yutaka e Matheus Ribeiro
Apuração: Felipe Gonzaga, Vinícius Yutaka e Matheus Ribeiro
Edição: André Quintão
Coordenação: Ana Carolina Vimieiro