A maior artilheira do Brasileirão, com 74 gols, vive um momento histórico no Cruzeiro, clube que a contratou para ser a cara de um projeto que vem provando o potencial do futebol de mulheres com planejamento e investimento
Por Hugo Rezende e Yasmin Veloso, estudantes de Jornalismo da UFMG
Natural do Rio de Janeiro, com 29 anos e mais de uma década no futebol feminino, é curioso pensar que o primeiro esporte praticado pela Byanca foi atletismo. Com apenas 8 anos, ela teve seu primeiro contato com uma bola de futebol, durante um dos treinos da sua primeira modalidade: “uma bola me encontrou e me ajudou a fazer a melhor escolha da minha vida, que é jogar futebol”, declarou. Voltando para casa, ela contou a seu pai, Átila, sobre o sonho de jogar futebol, e ele passou a compartilhar desse sonho com a filha.
Os desafios para ser jogadora de futebol em 2003 eram ainda maiores. A falta de referências profissionais, investimento e visibilidade para o futebol de mulheres era um cenário de difícil contorno.
Porém, Átila, mesmo sem saber de caminhos possíveis na modalidade, começou a frequentar uma lan house para assistir vídeos e ensinar sua filha, desde os fundamentos básicos. As referências eram masculinas, afinal, o futebol feminino tinha pouca visibilidade. A própria Marta havia iniciado a carreira apenas três anos antes. Com isso, Byanca começou a praticar no quintal de casa, e reconhece a importância do apoio do pai para sua trajetória.
“Meu pai puxava muito a minha orelha quando eu queria desistir. Eu falo que toda técnica que tenho foi graças a ele, que tem o dom de ensinar.” — Byanca Brasil para o ge.

A partir da junção da prática ao talento, a evolução de Byanca foi constante e notória. Em 2008 já havia conseguido vaga nas categorias de base do Bangu (sub-17), passando, em seguida, pelo América-RJ, Vasco, Botafogo e Flamengo. A primeira oportunidade no profissional se deu em 2013 no Foz Cataratas, do Paraná. Em 2015, conquistou o primeiro título de relevância nacional, a Copa do Brasil, com o Avaí/Kindermann.
Após sair do Brasil e jogar por dois anos na China, no clube Wuhan Jiangda, ela retornou para o Inter em 2020, ganhando o campeonato gaúcho. Já a primeira taça internacional conquistada por Byanca, na carreira, veio em 2017 pelo Corinthians: Copa Libertadores da América. Em 2022, a atleta foi campeã do paulista e voltou a conquistar “A Glória Eterna”, dessa vez pelo Palmeiras. Finalmente em 2023, ela desembarcou no Cruzeiro Esporte Clube para ser o pilar de um dos projetos mais promissores do futebol feminino nacional.
“Coloco a minha vida ali em campo”

Byanca Brasil sempre foi uma atleta capaz de marcar muitos gols e decidir jogos. Não à toa, ela é a maior artilheira do Brasileirão Feminino, com 74 gols. Sendo centroavante de origem, e se destacando pelo seu refino técnico e capacidade de desequilibrar jogos com seu um contra um, a carioca se tornou uma das jogadoras mais letais do futebol brasileiro.
Porém, desde a temporada de 2022, ela desenvolveu novos recursos que a tornaram mais completa e a ajudariam a, futuramente, ser convocada para a seleção brasileira e disputar uma olimpíada em Paris, no ano de 2024. A principal evolução perceptível ocorreu na construção de jogadas e distribuição de passes decisivos. Em 2022, no Palmeiras, já havia dado nove assistências em 38 jogos, a maior marca da carreira.
Ao chegar no Cruzeiro e encontrar um ambiente mais estruturado, com jogadoras capazes de dividir o protagonismo, Byanca intensificou ainda mais a adaptação em outras áreas que precisaram ser aprimoradas. Em contrapartida, é fato que o ano da Byanca Brasil é um ano de poucos gols, apenas três, de bola parada, em 15 jogos.
Raphaela Oliveira, comentarista na Samuca TV e colunista no Central da Toca, explica:
“o Cruzeiro contratou a Lelê nessa temporada. As duas têm jogado juntas como uma dupla de ataque na maior parte do tempo quando as duas estiveram disponíveis. Eu acho que é uma Byanca que tem muito mais protagonistas ao lado dela, para ser protagonista junto com ela, e por isso os gols e as participações em gols estão um pouco mais distribuídas”.
As sete assistências em 15 jogos (proporcionalmente a melhor marca da carreira), o mapa de ação caindo da esquerda para o meio, e a troca de posição com Lelê para gerar espaço para as outras jogadoras, atraindo a marcação, justifica os números estarem diluídos entre o elenco e confirmam a evolução defensiva de Byanca.
“As atletas também olham para mim como referência”
Toda a qualidade técnica da jogadora, aliada a sua postura dentro e fora de campo, a fez um dos pilares da equipe. “As meninas procuram a Byanca. Quando a Byanca está mal, normalmente, o time está mal, quando está bem, o time está bem. Ela é um termômetro do time, é quem conduz, é quem puxa” declarou Natália Simões, presidente da Desorganizada Cabulosa, em entrevista exclusiva à Revista Marta.

Byanca entende e interpreta muito bem o papel de referência que foi naturalmente atribuído a ela, uma das jogadoras que carrega a faixa de capitã nessa temporada, e assume toda a responsabilidade que essa posição exige com profissionalismo e humildade, sempre exaltando a atuação das colegas e incentivando e conduzindo a equipe, que espera isso dela.
Em postagem no Instagram após a derrota para o Corinthians na final do Brasileiro Feminino 2025, Byanca demonstrou gratidão às colegas e à torcida, além de se responsabilizar por um desempenho inferior comparado a outras campanhas, prometendo trabalho para alcançar melhores resultados.
A atleta recebeu o apoio das colegas e da torcida na publicação, ilustrando a atmosfera cheia de afeto, parceria e colaboração entre a atleta e as demais envolvidas nessa campanha das Cabulosas. Também revela a grandeza da jogadora em assumir com tanta humildade a responsabilidade por um resultado coletivo, reafirmando sua figura de liderança e referência dentro e fora de campo. Esse gesto reforça a identificação que construiu com a torcida e simboliza a maturidade de uma jogadora que, mesmo diante de derrotas, segue aparecendo e se entregando completamente ao projeto.
A bagagem de mais de uma década de futebol contribui muito para dar corpo a um time ainda em construção no cenário do futebol brasileiro. Jonas Urias, técnico da equipe, destaca a importância da atuação de Byanca, em entrevista ao Cruzeiro Cast: “A Byanca é um símbolo nesse sentido, porque todo mundo vê e cria referências. Quebra muitas vezes narrativas. É fundamental para que tenha uma cultura futura, que seja melhor em algum aspecto, precisa ter referências que quebram paradigmas”.
“Nunca tive tanta conexão com uma torcida e com um clube”
Mais do que a 10 que o Cruzeiro precisava em campo, Byanca Brasil abraçou por completo o clube, construindo uma relação intensa com a arquibancada. Essa conexão ganhou força na final do Mineiro de 2023, contra o Atlético, quando marcou o gol do título e destacou, além da sua paixão pelo clube, sua identidade como mulher preta e lésbica, assumindo esse lugar de representatividade e personalidade para a torcida.
“A Byanca ganhou muito com o Cruzeiro e o Cruzeiro ganhou muito com a Byanca também. A gente gosta de ver um torcedor em campo, a Byanca é isso, e para a gente isso faz toda a diferença do mundo.” – Natália Simões, presidente da Desorganizada Cabulosa

Para além do laço com a torcida, a jogadora abraçou por completo o projeto. Frequentemente, Byanca reforça em entrevistas o desejo de fazer história e construir um legado no clube mineiro. Toda a estrutura oferecida a elas pela instituição é inédita para ela em sua trajetória, e fundamental para os resultados esportivos da equipe.
O Cruzeiro de Garotas treina na Toca II, mesmo local em que acontecem os treinos da equipe profissional do futebol masculino. Além disso, as atletas têm acesso a um espaço adequado e a profissionais qualificados para apoiá-las na preparação e no desenvolvimento.
“Me sinto muito mais pronta. Você se sente mais à vontade para se preocupar realmente em jogar futebol. Acho que isso é o pontual aqui do Cruzeiro.” relata Byanca em entrevista ao Hoje em Dia.
Ela reafirma que o futebol feminino ainda precisa lutar por condições básicas e nem todas as atletas têm o necessário para exercer a profissão, reforçando a importância de manter na consciência que a luta pela igualdade ainda não chegou perto de acabar.
“Todas juntas, vamos fazer a diferença”

Ser jogadora de futebol, em um país como o Brasil, é protagonizar e carregar um legado de luta por oportunidades equiparáveis entre os esportes masculinos e femininos. Além de títulos ou recordes, o que se perpetua é a inspiração direta que ela oferece a novas gerações, mostrando que o futebol de mulheres não só tem espaço, mas também tem rostos, histórias e referências capazes de transformar sonhos individuais em conquistas coletivas.
“Precisamos ficar brigando por coisas tão pequenas e coisas tão básicas que o futebol feminino não tem, então hoje, no Cruzeiro, consigo viver isso, mas obviamente tenho consciência que isso não é para o Brasil inteiro, não é para todos os times, e a gente segue na luta buscando uma igualdade” afirma Byanca, ao Hoje em Dia.
A craque e camisa 10 representa a mudança viva nesse cenário ainda muito desigual. Após levar o time pela primeira vez a uma final do Campeonato Brasileiro, Byanca protagoniza uma campanha histórica, que quebrou recordes no futebol de mulheres em Minas Gerais, simbolizando a expectativa da consolidação de um projeto que pode redefinir o espaço da modalidade no cenário nacional.
A final inédita contra o Corinthians marcou não apenas a campanha mais expressiva das Cabulosas no Brasileiro, mas também um divisor de águas. Para a Raposa, significou a confirmação de que, com investimento e suporte, o projeto tem força para competir no mais alto nível. Para a camisa 10, consolidou seu papel de liderança e referência técnica em um time que fez história. Já para a modalidade, reforçou que a presença de novas protagonistas amplia a competitividade e fortalece a luta por mais visibilidade e reconhecimento no esporte.
Expediente
Redação: Hugo Rezende e Yasmin Veloso
Apuração: Hugo Rezende e Yasmin Veloso
Edição: André Quintão
Coordenação: Ana Carolina Vimieiro