Do campo ao mercado: quem patrocina o futebol feminino no Brasil?

Entre diversidade de contratos e patrocinadores masters, o futebol de mulheres no país espera contar com grandes incentivos financeiros para continuar evoluindo

Por Ellen Canabrava e Mariana Taveira, estudantes de Jornalismo da UFMG

Movido por sonhos e obstáculos, o futebol feminino evolui a cada ano que passa ao redor do mundo – mesmo que em um ritmo abaixo do esperado. Com grandes estrelas e campeonatos cada vez mais competitivos, a modalidade é movida não só pela ambição e pelo talento das jogadoras, mas também por grandes contratos de patrocínios para ganhar cada vez mais espaço nas telas e no coração da torcida.

Com a crescente conquista de espaço, as mulheres nos gramados atraem cada vez mais público aos estádios e atingem constantes recordes de audiência. Por consequência, grandes empresas veem o mercado da modalidade como lugar ideal para bons negócios e olham para as camisas das atletas como suporte perfeito para gerar atratividade às marcas. E, na maioria das vezes, se os patrocínios são favoráveis às empresas, eles são vistos como fonte fundamental de receita para as equipes femininas.

No futebol masculino, a maior parte das receitas costuma vir da venda dos direitos de transmissão — que podem representar até mais de um terço do total. Já no feminino, como essa fatia é bem menor, as empresas que associam sua imagem à modalidade via patrocínio acabam tendo um peso proporcionalmente maior. O cenário de patrocínios, entretanto, apesar de se mostrar necessário e  promissor, ainda enfrenta, atualmente, alguns obstáculos – como a volatilidade dos contratos assinados pelos clubes. O Campeonato Brasileiro A1 este ano, por exemplo, começou sem patrocínio nenhum, gerando revolta não só nos clubes mas também na torcida. Até, pelo menos, a terceira rodada da competição, as placas de publicidade na beira dos gramados estavam vazias e davam espaço a campanhas e mensagens sobre racismo e feminicídio. Isso aconteceu porque a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), não conseguiu manter o contrato de patrocínio com a Neoenergia e a Riachuelo – que fizeram o papel de patrocinadores em 2024.

A situação vexatória gerou incômodo no público e demonstrou um verdadeiro descaso da principal entidade brasileira de futebol com seu próprio produto. A ex-jogadora, Formiga, demonstrou insatisfação com o cenário e alegou, durante o lançamento do evento “The Women’s Cup” – torneio internacional de futebol feminino realizado em São Paulo, que reúne clubes nacionais e estrangeiros em partidas de caráter competitivo e de visibilidade global -, em abril, que a situação é “difícil de aceitar”. Na ocasião, a atleta, além de cobrar a CBF pela falta de patrocinadores, destacou que o cenário é inadmissível, principalmente quando o país está prestes a sediar um torneio mundial de futebol feminino.

Foto: Vinícius Caxangá

Encerrado no último domingo (14), com mais um título da equipe do Corinthians, o Brasileirão seguiu sem um patrocinador principal – enquanto o masculino tem a Betano, por exemplo. A continuidade da competição só foi possível graças aos patrocínios privados dos clubes e pela entrada da Star Bet, como patrocinadora, na fase decisiva do torneio, em agosto. 

Se o cenário da principal competição como um todo mostra ser angustiante para o mercado financeiro do futebol feminino, o aumento de contratos de patrocínios fechados pelos clubes que disputaram o torneio pode ser visto como um verdadeiro combustível para as equipes na busca pelo título e, mais que isso, uma esperança para a constante crescente da modalidade. 

Clubes em campo

Se as competições por si só não chamam tanta atenção de patrocinadores – resultando até na falta de patrocínios masters nos torneios -, as camisas dos clubes brasileiros são pesadas e vistas como ótimos lugares para dar visibilidades a grandes empresas. Em 2025, algumas equipes chamaram atenção por grandes contratos assinados em troca de um lugar especial no uniforme. 

Se destacando entre todos os 16 clubes da série A1, a equipe da Ferroviária assinou grandes contratos e terminou o campeonato sendo o time com mais patrocinadores da tabela. Enquanto clubes como Corinthians, Internacional e Cruzeiro possuem um patrocinador máster cada, a equipe natural de Araraquara, no interior do estado de São Paulo, conseguiu diversificar seus contratos, contando com múltiplos parceiros simultaneamente, entre eles Galera.bet, Estrella Galicia, Hopi Hari e Qista. 

Além de mostrar a importância da diversidade de contratos não só para uma maior estabilidade financeira, mas para atrair marcas de diversos setores, a Ferroviária também serviu como um verdadeiro exemplo ao anunciar patrocinadores exclusivos para o futebol feminino e, mais que isso, para as categorias de base da equipe das “Guerreirinhas Grenás”. Em fevereiro deste ano, o clube anunciou a Tecnobank como nova patrocinadora das categorias de formação da equipe feminina para a temporada de 2025. Durante o ano, a empresa de tecnologia no ramo de financiamento de veículos esteve presente no centro da camisa das atletas.

Durante a apresentação da novidade, Nuty Silveira, diretora executiva do futebol feminino da Ferroviária, falou sobre a importância de ter a Tecnobank como patrocinadora das Guerreirinhas Grenás, pelas importantes transformações em um mercado tradicional.

“Ter uma empresa inovadora ao lado das Guerreirinhas Grenás é sempre algo de extrema importância. É crucial ter conosco uma empresa que tenha os mesmos lemas, que acredite nas transformações sociais através do esporte. É a certeza que estamos no caminho certo”, contou Silveira.

Quem são os patrocinadores?

A multiplicidade de patrocinadores é interessante de ser vista não só no time da Ferroviária, mas no campeonato como um todo. Há uma diversidade dos setores das marcas que patrocinam o futebol feminino no Brasil, mas esse número ainda é relativamente concentrado em alguns segmentos estratégicos. Semelhante às equipes masculinas, por exemplo, as casas de apostas e jogos onlines representam a maioria dos patrocínios máster nos clubes. A exemplo, tem-se o Juventude, que conta com a Stake, o Corinthians, que é patrocinado pela Esportes da Sorte e a Alfa, que estampa a camisa das coloradas.

Ao todo, 10 dos 16 clubes da Série A1 possuem patrocínios masters firmados com casas de apostas. Embora esse ramo seja dominante, setores mais tradicionais como beleza, alimentação e saúde também aparecem nas estatísticas. Os patrocínios que envolvem marcas associadas à beleza e cuidados pessoais, inclusive, estão crescendo cada vez mais no mercado do futebol feminino. Em agosto, por exemplo, a equipe das “Cabulosas” anunciou um novo patrocinador para a equipe: a linha de produtos capilares Neutrox, que assinou contrato com o clube celeste até dezembro de 2026, tendo sua marca estampada nas camisas de jogo da equipe feminina do Cruzeiro. 

A marca Koleston, da Wella, por sua vez, fechou parceria com o Corinthians feminino em abril deste ano para uma ação pontual em um clássico contra o Palmeiras. Como parte da ação, 21 jogadoras do Corinthians entraram em campo com os cabelos tingidos com cores da linha de tintas e usando faixas na cabeça que indicavam o tom escolhido por cada uma.

O aumento de patrocínios de marcas de beleza tem direta relação com a análise de público das partidas. Isso porque a audiência do futebol feminino, apesar de não ser apenas feminino, é significativamente composto por mais mulheres do que a do futebol masculino. Dados da pesquisa “Sponsorlink”, realizada pelo IBOPE Repucom, expõem que o Brasileirão Feminino A1 atingiu a marca de 58 milhões de fãs em todo o país. Desse número, as mulheres são maioria, representando 52% de todo o público. Esses números mostram um ambiente perfeito para marcas de beleza se aproximarem, já que conseguem dialogar tanto com torcedoras quanto com as próprias atletas, usando o esporte como ótimo palco para consumo. 

Os dados apresentados podem estar incompletos ou desatualizados, devido à ausência de informações divulgadas pelos clubes.

A importância do investimento

As equipes finalistas do Campeonato Brasileiro Feminino A1 de 2025, Corinthians e Cruzeiro, não chegaram à decisão por acaso – muito menos por sorte. O desempenho de ambas é resultado de anos de planejamento, investimento e dedicação das diretorias de seus respectivos clubes no futebol feminino.

Em entrevista ao portal No Ataque, a diretora de futebol feminino do Cruzeiro, Bárbara Fonseca, explicou que o clube mineiro começou a investir de forma mais estratégica e consistente na modalidade em 2019. Desde então, o salto foi notável: os valores destinados ao futebol feminino cresceram mais de 800%, e o time passou a figurar entre os protagonistas da Série A1. Com esse novo patamar, vieram reforços de peso, o interesse de grandes marcas e, sobretudo, o crescimento da torcida – as Cabulosas conquistaram espaço não apenas no campo, mas também na mídia e no imaginário da torcida.

O Corinthians, por sua vez, é considerado um exemplo consolidado de sucesso no futebol feminino brasileiro. Em 2025, o clube conquistou seu sétimo título nacional, o heptacampeonato, jogando na Neo Química Arena diante de milhares de pessoas. Esse domínio não surgiu do dia para a noite. O projeto começou a ganhar corpo entre 2016 e 2017, quando o clube firmou uma parceria com o Osasco Audax, dando os primeiros passos rumo à profissionalização da modalidade. Desde então, sob a liderança do técnico Arthur Elias e da diretora de futebol Cris Gambaré, o Corinthians construiu um modelo sólido e vitorioso com resultados visíveis: as Brabas chegam à final do Brasileirão Feminino desde 2017, e se consolidaram como referência nacional dentro e fora de campo.

Mas o fortalecimento do futebol feminino não se limita a Cruzeiro e Corinthians. Outros clubes, como Palmeiras e Bragantino, também vêm aumentando significativamente seus investimentos nos últimos anos, além da Ferroviária, que é um dos times que mais investe na modalidade.

Demora nas negociações

Outro ponto a ser melhorado é que alguns patrocínios estão chegando tardiamente e, muitas vezes, apenas em clubes que se destacam nas fases eliminatórias. Ou seja, as empresas estão interessadas em apoiar o futebol feminino, mas em muitos casos, o apoio só acontece quando as competições estão nas fases finais, nos momentos em que os torneios estão chamando mais atenção. Um exemplo disso é a parceria firmada entre o Cruzeiro e a marca de cosméticos Neutrox, que passou a apoiar o time em agosto de 2025, já na fase de mata-mata do campeonato. Embora o contrato vá até 2026, o apoio não acompanhou a equipe desde o início da temporada – ao contrário do que costuma ocorrer no futebol masculino, onde a maioria das negociações são feitas com antecedência, garantindo estabilidade e visibilidade para ambos os lados ao longo de toda temporada. Houve também o próprio Brasileirão, que só ganhou um grande patrocínio a partir das quartas de final.

Foto: Gustavo Martins

Esse cenário ilustra um padrão recorrente: marcas tendem a investir quando os projetos já estão dando certo. E isso evidencia uma engrenagem que precisa ser alimentada desde a base. Quando clubes apostam no futebol feminino com seriedade, os resultados aparecem; com os resultados, vem a visibilidade; e com ela, o interesse de patrocinadores aumenta. No entanto, essa engrenagem só funciona plenamente se houver planejamento e a modalidade for tratada como prioridade desde o início das temporadas.

Nesse sentido, a responsabilidade não é apenas dos clubes, mas também das entidades organizadoras das competições. A CBF, por exemplo, revelou certo descaso com a modalidade ao deixar o Brasileirão Feminino A1 sem patrocínio no início da temporada de 2025. Esse tipo de negligência compromete o crescimento do esporte, que precisa de apoio constante e comprometido, não apenas nos momentos de visibilidade.

Perspectivas para o futuro

Apesar dos avanços evidentes e das iniciativas pontuais de clubes e marcas, o futuro do futebol feminino ainda depende de decisões estratégicas e compromissos firmes de todos os envolvidos na cadeia do esporte. A modalidade vem conquistando espaço, quebrando recordes de audiência e atraindo novos públicos, mas ainda enfrenta desafios estruturais, como a falta de estabilidade nos contratos de patrocínio e de apoio institucional.

O potencial de crescimento é evidente – tanto do ponto de vista esportivo quanto comercial. A presença crescente de marcas de beleza, tecnologia e entretenimento indica que há espaço para diversificar ainda mais os segmentos de patrocinadores e expandir o alcance da modalidade para além dos tradicionais parceiros do futebol. Porém, para que o cenário evolua de forma contínua e sustentável, é essencial que os investimentos deixem de ser emergenciais ou oportunistas, surgindo apenas nos momentos de maior visibilidade. O apoio precisa ser duradouro, construído com base em planejamento, respeito à modalidade e foco em seu desenvolvimento a longo prazo.

Assim, é preciso romper com a lógica de investimentos sazonais. Patrocínios que surgem apenas nas fases finais dos campeonatos são sintoma de um modelo de negócio ainda instável, que não oferece às equipes a previsibilidade necessária para planejamento a longo prazo. O apoio financeiro precisa vir antes dos mata-matas, para que eles se tornem possíveis e não como um prêmio tardio pelo sucesso já alcançado.

Nesse contexto, o papel das entidades organizadoras, como a CBF, é fundamental. A ausência de um patrocinador master no início da Série A1 de 2025 não foi apenas uma falha administrativa, mas um reflexo do quanto a modalidade ainda é tratada como secundária pelas instituições que deveriam promovê-la. Essa negligência compromete não só a estrutura da competição, mas também a confiança das marcas que apostam na modalidade e a veem como oportunidade de mercado.

Outro ponto importante para consolidar o futuro da modalidade é o fortalecimento da formação de base. Clubes como Ferroviária e São Paulo, que já contam com categorias femininas estruturadas desde o sub-15, demonstram como a profissionalização precisa começar desde cedo. Projetos de base garantem renovação técnica, identificação com a torcida e mais oportunidades para meninas que sonham em viver do esporte.

Além disso, a cobertura dos jogos e dos bastidores das competições femininas precisa ser ampliada. Isso porque, quanto mais imersa a torcida estiver no futebol de mulheres e nas histórias das atletas, mais identificação torcedoras e torcedores criam com o futebol feminino.

Em paralelo, os clubes que vêm construindo projetos sólidos – como Corinthians, Cruzeiro e Ferroviária – mostram que há um caminho viável. Esses exemplos provam que o investimento consistente gera resultados dentro e fora de campo. Com mais visibilidade e retorno de imagem, novas empresas tendem a se interessar, alimentando um ciclo virtuoso que beneficia atletas, fãs e patrocinadores. Se patrocinadores, federações, clubes e mídia caminharem juntos nesse processo, o futebol feminino tem tudo para se tornar não apenas um mercado promissor, mas uma potência econômica e esportiva.

O futuro do futebol feminino no Brasil depende, portanto, de um esforço coletivo e contínuo. É preciso tratar a modalidade como parte integral da indústria esportiva nacional. Com parcerias comerciais responsáveis e um olhar mais atento das federações, o Brasil pode não apenas acompanhar a evolução global do futebol feminino, mas fazer parte dela.

Expediente
Redação: Ellen Canabrava e Mariana Taveira
Apuração: Ellen Canabrava e Mariana Taveira
Edição: André Quintão
Coordenação: Ana Carolina Vimieiro

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Autor: Laboratório de Comunicação e Esporte

O Laboratório de Comunicação e Esporte é uma disciplina de graduação ofertada anualmente no Departamento de Comunicação Social (DCS) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) pela professora Ana Carolina Vimieiro.

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