É só dinheiro? Entenda o sucesso por trás do Cruzeiro feminino

Tática, valorização da modalidade e gestão tomam conta do projeto das cabulosas, que chegaram a sua primeira final em 2025

Por Davi Perin e Matheus Lemes, estudantes de Publicidade e Propaganda da UFMG

Em 2025, o Cruzeiro feminino atingiu seu melhor momento: decisão do Brasileirão, estádio cheio e desempenho sólido em jogos grandes. Para quem vê de longe, pode parecer surpresa, mas para quem acompanha a modalidade em Minas, sabe que é resultado de um grande trabalho. O clube alinhou gestão, orçamento, continuidade de comissão técnica e mobilização de torcida — fatores que, juntos, explicam a temporada.

Bárbara Fonseca e Jonas Urias. Reprodução: Cruzeiro via X / Twitter.

Da obrigação ao projeto estratégico

O ponto de partida do Cruzeiro feminino não diferiu muito da realidade de outros clubes brasileiros: surgiu mais por exigência regulatória da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) do que por uma convicção esportiva ou institucional. No início, a equipe existia apenas para que o Cruzeiro pudesse participar de competições masculinas, cumprindo o requisito de ter um departamento feminino. Mas o que começou como obrigação foi ganhando corpo, ainda de forma lenta, na gestão de Ronaldo Fenômeno. Sob sua administração, o clube começou a dar os primeiros passos rumo à profissionalização, oferecendo contratos mais estáveis, treinamentos em rotina organizada e uma integração tímida, mas crescente, à estrutura da Toca da Raposa. Não era um projeto robusto, mas já representava um desvio do modelo de improviso que dominava o futebol feminino em muitos lugares.

A grande virada, porém, aconteceu com a chegada de Pedro Lourenço, o Pedrinho. O empresário, que assumiu a SAF com maior poder financeiro e estratégico, enxergou no futebol feminino não apenas uma exigência de calendário, mas uma oportunidade de construir identidade, ampliar mercado e dar visibilidade ao clube em novas frentes. A lógica mudou: de núcleo de resistência, o departamento passou a ser setor planejado, com metas claras, indicadores de desempenho e ambição proporcional ao tamanho do Cruzeiro. Essa transição só foi possível porque houve continuidade de figuras-chave, como Bárbara Fonseca, gestora que atravessou diferentes fases e soube garantir a sobrevivência do projeto mesmo em períodos de menor apoio institucional. Foi ela quem manteve a espinha dorsal viva, assegurando que o crescimento tivesse raízes sólidas.

“Houve uma transição de um projeto feito por obrigatoriedade para um modelo profissional. Com o Pedrinho, o investimento aumentou e foi possível atrair atletas de maior qualidade.” — Raphaela Oliveira, colunista do Central da Toca e integrante da Samuca TV, comenta.

Investimento que muda o patamar

Se a base havia sido construída, foi em 2025 que o Cruzeiro feminino deu o salto definitivo. O orçamento próximo dos R$15 milhões — muito acima das temporadas anteriores — não representou apenas aumento de folha salarial. Significou infraestrutura mais adequada, melhores condições de preparação física e médica, além de um poder de barganha inédito no mercado de transferências. Pela primeira vez, o clube conseguiu não apenas segurar jogadoras importantes, mas também atrair nomes de peso, como a zagueira Isa Haas e a atacante Letícia Ferreira, atletas que antes dificilmente considerariam Belo Horizonte como destino. Esse movimento trouxe ao elenco diversidade de perfis e experiência competitiva, elementos essenciais para brigar em alto nível.

A prova mais clara de que o projeto havia mudado de patamar foi a realização da primeira venda internacional da história do futebol feminino cruzeirense. Rebeca, volante de 19 anos, foi negociada junto ao Houston Dash dos Estados Unidos. Não se tratava apenas de um negócio isolado, mas de um recado ao mercado: o Cruzeiro passava a ser vitrine. O investimento, até então visto como despesa, começava a gerar retorno também financeiro. Era a consolidação de um círculo virtuoso em que o aporte trazia atletas de qualidade, o bom desempenho ampliava a exposição e a exposição aumentava as chances de retorno de mercado. A sustentabilidade, tão discutida na modalidade, começava a se desenhar de maneira concreta.

Identidade dentro de campo

Se fora de campo a evolução é nítida, dentro das quatro linhas o trabalho também se consolidou. O técnico Jonas Urias, no clube desde 2023, é peça-chave para dar ao time uma identidade própria. Diferente de projetos que mudam constantemente de comando e de filosofia, o Cruzeiro encontrou em Jonas a capacidade de implantar princípios de jogo claros: marcação por pressão com gatilhos bem definidos, ocupação estratégica dos corredores, intensidade no meio-campo e meio-campistas com liberdade para atacar a área. Não se trata de um time que apenas reage, mas uma equipe que impõe idéias e busca protagonismo, mesmo contra adversários de maior investimento.

Jogadoras do Cruzeiro. Reprodução: Cruzeiro via X / Twitter – Nayra Halm/Staff Images Woman/CBF

O vice-campeonato da Supercopa, no início da temporada, funcionou como ponto de inflexão. Encarar o Corinthians, referência no futebol feminino brasileiro e sul-americano, foi um grande teste. A derrota foi dolorosa, mas ao mesmo tempo serviu de aprendizado. O Cruzeiro entendeu suas limitações, mas também percebeu sua capacidade de competir. A reformulação do elenco no começo do ano, aliada à convicção no trabalho técnico, deu confiança para que a equipe chegasse ao Brasileirão preparada não apenas para participar, mas para disputar títulos: 

O vice-campeonato da Supercopa do Brasil é um marco, porque querendo ou não, você em tão pouco tempo chegar numa final de competição nacional e fazer um jogo justo contra o Corinthians, tendo um elenco bem inferior, é um marco importante. Se a gente não tivesse agregado tanto valor ao nosso elenco, a gente não teria chegado onde a gente chegou. — diz Raphaela.

A jornalista complementa:

O Jonas é um dos melhores treinadores disponíveis no país. Talvez faltava material humano e acho que hoje já não falta mais. Essa capacidade do Pedrinho, de aumentar esse investimento para essa temporada, a gente viu refletido nos resultados.

Arquibancada protagonista

Se o Cruzeiro foi gigante dentro de campo, fora dele a torcida teve papel tão importante quanto. O Independência se tornou cenário de recordes de público e atmosfera de decisão. O clube entendeu que, para consolidar o projeto, era preciso aproximar o time feminino da arquibancada. Foram iniciativas simples, como ações de deslocamento para jogos decisivos e campanhas de engajamento em redes sociais, mas que criaram laços diretos entre torcida e jogadoras. O resultado foi imediato: o time respondeu dentro de campo, a torcida devolveu em apoio, e assim se formava um ciclo positivo em que cada parte puxava a outra para cima.

Desorganizada Cabulosa. Reprodução: Yasmin Veloso

E o impacto foi prático. A energia da arquibancada se reflete em intensidade no gramado, e os bons resultados reforçaram ainda mais a mobilização. A conexão se consolidou a ponto de o elenco reconhecer, em entrevistas, que a presença da torcida foi fator decisivo em jogos-chave da campanha. Raphaela opina:

“O Cruzeiro é muito agraciado de ter uma torcida apaixonada que se mobiliza para fazer tudo em prol dessa modalidade.Você consegue às vezes olhar no olho da atleta que está em campo e você sente essa troca, essa devolução em que você está ali cantando os 90 minutos e ela está lá se esforçando os 90 minutos pelo clube, para te trazer felicidade.”

O orçamento de 2025 foi determinante, mas não explica sozinho a chegada à final do Brasileirão. O diferencial esteve na continuidade. O Cruzeiro não se perdeu em trocas de comando, não abandonou ideias diante das primeiras dificuldades e não desperdiçou energia em reconstruções a cada temporada. A manutenção de processos, a convicção em figuras centrais e a capacidade de resistir às pressões fizeram do projeto algo sólido. O time aprendeu a competir em jogos grandes, a comissão técnica deu identidade, a gestão deu rumo, o dinheiro acelerou e a arquibancada empurrou. O resultado não é fruto de sorte, mas é consequência.

O próximo passo: permanecer no topo

Com a final inédita do Brasileirão Feminino, o Cruzeiro atinge um patamar que abre novos horizontes. O desafio agora é permanecer competitivo entre as principais forças do país, consolidando o investimento e garantindo que o crescimento seja constante. A experiência adquirida ao longo da temporada mostra que a equipe tem potencial para se manter entre as grandes, mas isso exige planejamento, reforços estratégicos e a manutenção da mentalidade vencedora que trouxe as Cabulosas até aqui.

Pedro Lourenço e Bárbara Fonseca. Reprodução: Gustavo Martins/Cruzeiro

O discurso de atletas e comissão técnica converge para um mesmo ponto: o vice-campeonato é apenas o início de uma nova etapa, e o Cruzeiro precisa continuar firme para se tornar referência também no futebol feminino. É preciso ampliar o suporte estrutural, fortalecer a base e consolidar um projeto que não dependa apenas de momentos pontuais, mas sim de uma visão de longo prazo.

Nesse cenário, o dono da SAF do Cruzeiro, Pedro Lourenço, também se pronunciou sobre os próximos passos do clube na modalidade, garantindo que o projeto segue firme e com atenção especial ao futuro. Segundo o empresário, haverá reuniões para definir estratégias e possíveis reforços para manter o time competitivo.

“Nós vamos ter uma reunião com nossa direção e o que tiver de ser feito nós vamos fazer. O importante é que o Cruzeiro siga crescendo e se consolidando também no feminino”, afirmou Pedro Lourenço.

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Autor: Laboratório de Comunicação e Esporte

O Laboratório de Comunicação e Esporte é uma disciplina de graduação ofertada anualmente no Departamento de Comunicação Social (DCS) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) pela professora Ana Carolina Vimieiro.

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