
Por Carol Freire, estudante de Jornalismo da UFMG
Canetas emagrecedoras, tabaco e casas de apostas: por que marcas com valores tão distantes daqueles promovidos pelo esporte são as maiores financiadoras desse setor?
Os patrocínios, especialmente os patrocinadores masters de times, atletas ou competições, são apoios financeiros importantes no mundo do esporte. Porém, em alguns casos, a escolha de quem será o responsável por financiar o esporte e ter seu nome divulgado de maneira significativa pode ser considerada controversa ou duvidosa.
Pressão fora das quadras
Recentemente, Serena Williams, tenista campeã de vinte e três Grand Slams, anunciou a parceria com uma marca de canetas emagrecedoras, a Ro, alegando que seu corpo já não era o mesmo e que ela não conseguia emagrecer mais depois de se tornar mãe. Além disso, Williams disse que a escolha por canetas emagrecedoras “não é a solução fácil, mas sim uma escolha de autocuidado”.
O corpo de Serena foi constantemente alvo de críticas durante sua carreira como atleta. Por ser uma mulher com curvas e músculos visíveis, seu corpo era considerado “grande demais” e “pouco feminino”. Esses ataques costumavam ser frequentes principalmente na internet. Em 2016, em entrevista ao The Times Magazine, revelou o peso das críticas, mas que sempre tentou se manter firme em seus objetivos, ignorando os comentários.
“Quando eu era mais nova, era difícil ver todas aquelas atletas magras enquanto eu era mais musculosa e robusta. […] Não tenho tempo de ser levada ao fundo do poço. Tenho muitas coisas para fazer. Tenho torneios a ganhar, pessoas a inspirar, e é para isso que estou aqui. É mais importante olhar o lado bom, pois o lado negativo pode te derrubar.”
O amplo alcance de Williams, que conta com mais de 18 milhões de seguidores no Instagram, gerou reações diversas em seu público, sendo aplaudida por alguns e questionada por outros que não concordam com o consumo massivo das canetas emagrecedoras. Além disso, levantou o debate sobre o uso dessa medida por atletas, reconhecidos por seus corpos saudáveis.
“Quando uma celebridade fala que usa, a repercussão é enorme. As pessoas podem achar que é seguro usar sem indicação, que serve para qualquer um e que é até um ‘atalho’ para emagrecer, quando na verdade não é assim. Isso pode acabar banalizando o uso de um medicamento que deve ser restrito a casos específicos. E, de certa forma, entra em conflito com a mensagem que o esporte transmite: disciplina, constância e hábitos saudáveis”, explica a nutricionista Bruna Pagnozzi.
Outra marca de canetas emagrecedoras, a famosa Ozempic, teve seu nome estampado ao redor das quadras do campeonato de tênis Aberto de Toronto, dividindo a opinião do público. Se, por um lado, pessoas que são adeptas a esse consumo acreditam que isso seja sim uma solução e uma escolha saudável, especialistas em emagrecimento afirmam ainda não terem estudos compatíveis o suficiente para se saber os perigos dos efeitos desse tipo de medicamento quando utilizado indiscriminadamente e sem o acompanhamento necessário no corpo humano a longo prazo.
“Esses medicamentos não são indicados para qualquer pessoa que quer ‘perder uns quilinhos’, mas sim para quem tem obesidade ou sobrepeso associado a outras doenças. […] O uso sem orientação pode trazer muitos problemas. Além dos efeitos colaterais mais comuns, como enjoo e diarreia, existem riscos mais sérios, como pancreatite e hipoglicemia.”, esclarece Pagnozzi. No exterior, houve desabastecimento de canetas emagrecedoras como o Ozempic recentemente em função do uso indiscriminado. O desabastecimento acaba impedindo pessoas que tenham indicação médica para o uso do medicamento, como pessoas com diabetes, de ter acesso ao mesmo.
Em um mundo midiatizado, em que as redes sociais são palco de diversos debates, a opinião de influenciadores pode trazer luz sobre essa temática. Eliza Wastcoat, criadora de conteúdo, entusiasta de esportes e jogadora de tênis, comentou em suas redes sociais sobre a presença do Ozempic no esporte:
“Hoje em dia, ele [o Ozempic] é conhecido como uma droga para perda de peso ‘hollywoodiana’. […] O tênis é um esporte que celebra a saúde a longo prazo. Patrocinar um esporte com uma droga vendida sob prescrição para perder peso, que está mais associada à mudança estética do que à saúde, é contraditório, especialmente em um torneio feminino. Quando a Ozempic começa a aparecer nas quadras, a mensagem que se passa é a mesma: não importa quão forte, habilidosa ou bem sucedida você é, você sempre pode ser mais magra. […] Nós não podemos nem mesmo assistir a uma partida de tênis sem sermos lembradas de que existe uma indústria bilionária que deseja capitalizar as nossas inseguranças.”
Outra problemática que pode envolver o tema é que, quando esse tipo de produto começa a financiar o esporte, a mensagem recebida pelo público pode ser de que as canetas emagrecedoras estão associadas à saúde e bem estar, e não a pressões estéticas ou, em seu uso recomendado, tratamento de doenças como diabetes. A ampla divulgação das canetas emagrecedoras associadas à saúde, esporte e disposição pode fazer com que fãs do tênis, e outros esportes, comecem a consumi-las sem qualquer recomendação médica ou de especialistas, na expectativa de conseguir ficar com um corpo similar às suas jogadoras preferidas.
Paloma de Castro, a publicitária e doutoranda em Comunicação pela UFPE, explica qual a responsabilidade que as celebridades desempenham na influência, principalmente dos jovens, a partir da publicidade:
“É uma mensagem muito contraditória, acredito, que coloca os valores de cuidado ao corpo e à saúde em segundo plano. […] Essas pessoas são figuras de autoridade e de influência para o público, principalmente jovem, que se apega, se torna torcedora ou torcedor de um time, admira atletas e acompanha suas vidas… Isso é uma grande responsabilidade e deve ser entendida como tal. […] Isso expõe uma preocupação ética ao relacionar marcas de valores divergentes ao que, em sua essência, deveria ser promovido pelo esporte.”
Sobre o papel das redes sociais na disseminação de estilos de vida, a nutricionista Bruna Pagnozzi completa:
“A mídia e as redes sociais têm um peso enorme hoje. Muitas vezes, o público confia mais em uma celebridade ou influenciador do que em um profissional de saúde. O problema é que isso pode estimular soluções rápidas, sem levar em conta os riscos. O desafio é justamente filtrar essas informações e entender que o que funciona para uma celebridade não é, necessariamente, o melhor para todo mundo”.
Glamour, risco e estilo de vida
Além de canetas emagrecedores, outro produto que faz mal à saúde e esteve, por muito tempo, associado aos esportes foi o tabaco. Especialmente na Fórmula 1, as maiores marcas tabagistas, como Marlboro e West, foram as grandes patrocinadoras das equipes Ferrari e McLaren durante as décadas de 1980 a 1990, respectivamente, além de outras que também corroboravam com esse movimento.
Isso acontecia porque, especialmente entre esses anos, o cigarro branco era visto como meio de socialização e status, sem que houvesse uma grande divulgação sobre seus verdadeiros impactos na saúde. Assim, o patrocínio tabagista vivia seu auge na Fórmula 1, com suas logos estampadas em carros, pistas e materiais de propaganda. Esse forte auxílio financeiro das marcas multimilionárias permitiu que os carros se modernizassem e as equipes conseguissem contratar pilotos ainda melhores, como destaca o especialista em marketing esportivo, Erich Beting, em entrevista à Gazeta do Povo, além de associarem suas identidades visuais com as das equipes, criando modelos icônicos de carros lembrados até hoje, como a Lotus John Player Special de Senna.

A pesquisadora Paloma destaca que o processo de midiatização dos esportes pode influenciar a escolha de patrocínios duvidosos no mundo esportivo:
“A própria lógica do espetáculo esportivo abre espaço para essas contradições, pois, ainda que o esporte e sua prática seja ligado aos valores da atividade física, saúde, lazer e bem-estar, o espetáculo em si, os megaeventos e os espaços de consumo esportivo seguirão, geralmente, lógicas que visam o lucro e que recebem um nível de investimento alto dessas marcas. Essa é a grande questão que fez com que a publicidade de cigarros, por exemplo, fosse permitida por tantos anos”, completa.
O cenário sofreu alterações a partir dos anos 2000 quando, aos poucos, a população começou a se sensibilizar com as questões de saúde relacionadas ao tabagismo e, consequentemente, as leis de publicidade tabagista foram se modificando ao redor do mundo, fazendo com que essas marcas deixassem de ser associadas ao esporte. Com isso, em 2006, a Fórmula 1 proibiu oficialmente o espaço para publicidade de tabaco. Após a mudança, as equipes começaram a ser apoiadas por grandes marcas de tecnologia e bens de consumo, como Rolex e RedBull.
“Os tempos são outros, e a publicidade e os patrocínios também estão precisando se adaptar. Citando novamente a Fórmula 1, por exemplo, uma das suas principais patrocinadoras, a Heineken, passou a promover a cerveja zero álcool através do evento, o que se adequa muito mais ao ambiente do automobilismo. Ou seja, há uma maior preocupação social com diversas questões”, explica Paloma.
O preço do placar
Outro patrocínio que surge com força no esporte, mas se demonstra muito controverso são as casas de apostas esportivas que, no Brasil, estão associadas ao patrocínio de todos os times da Série A do Brasileirão, como a Betfair no Cruzeiro e a H2 bet no Atlético Mineiro, além da relação com o próprio nome da competição que leva o nome de uma das casas se intitulando “Brasileirão Betano”.
Os jogos de aposta têm um histórico longo no Brasil e, desde os Jockey Clubes até a criação do jogo do bicho, entre 1930 e 1940 os cassinos arrecadaram cerca de um bilhão de dólares. Poucos anos depois, em 1946, os jogos de azar passaram a ser proibidos no Brasil, o que não significa que eles deixaram de existir.
Apesar da insistência e permanência de cassinos e jogos de azar ilegais no Brasil, como o famoso “Tigrinho”, as apostas esportivas são regulamentadas e podem funcionar e exercer publicidade. Mas a prática levanta questionamentos sobre ser saudável. Assim, pode-se dizer que as “bets” se aproximam das Loterias Esportivas, idealizadas no período da Ditadura Militar, que existiram por muito tempo como forma de apostas e entretenimento no universo do futebol brasileiro, além de ser uma estratégia governamental para aumentar a arrecadação estatal com promessas de fácil enriquecimento.
Porém, a regulamentação das apostas esportivas se disfarça de uma tentativa da melhoria das plataformas, tornando-as mais seguras e não nocivas, para esconder o verdadeiro motivo de sua não proibição, que se volta aos padrões da Loteria Esportiva: arrecadação. Segundo dados estimados do Banco Central, as apostas chegam a movimentar cerca de trinta bilhões de reais mensais e, diferentemente das Loterias Esportivas, controladas pelo Estado, são gerenciadas pela iniciativa privada.

Com isso, a aposta esportiva se tornou comum e é amplamente associada ao futebol brasileiro, sendo uma prática controversa já que, além de a maioria das promessas de enriquecimento por meio das apostas ser questionável, o vício pode acontecer e se tornar um problema muito grave na vida do usuário de quaisquer plataformas de apostas.
“Os primeiros sinais de vício em apostas são pensamento repetitivo, obsessão àquele único tipo de prazer e a percepção de que se está perdendo o controle, como quando a pessoa começa a pensar em aposta em momentos que não são relacionados a isso, como no trabalho ou no cinema” explica o professor Bruno Rezende, especialista em neurociência.
Atualmente, basta ter acesso à internet para conseguir apostar no time, placar ou campeonato que desejar, fazendo com que as bets se tornem cada vez mais populares e difundidas, principalmente entre os jovens. Com algoritmos cada vez mais refinados, o objetivo das casas de aposta é cativar o apostador, tornando a experiência cada vez mais personalizada para que apostar se torne uma prática frequente de seu cotidiano, gastando cada vez mais e aumentando proporcionalmente o lucro da empresa. Além disso, grande parte dos sites de apostas esportivas também contam com uma aba de “cassino”, fazendo com que o usuário que já está acostumado com a aposta esportiva tenha maiores chances de ser inserido também no meio dos jogos de azar.
Bruno Rezende também explica como o cérebro reage aos estímulos das apostas, podendo chegar a um vício.
“Quando se aposta, você tem a sensação de que teve sucesso em uma ação porque teve uma recompensa, gerando o prazer, criando uma motivação para você repetir esse comportamento. A liberação de dopamina gera prazer e cria uma memória. Quando você joga pela primeira vez, você ainda não sabe se vai ser bom ou não e, como se sabe, a chance de você ganhar nas primeiras vezes é muito maior. Essa é uma forma boa de capturar clientes”, destaca.
Ainda assim, uma das grandes dúvidas que surgem sobre a temática de jogos de apostas é sobre a linha tênue que divide a regulamentação das apostas esportivas e a ilegalidade dos cassinos. Esse limite é traçado na sensação de segurança e autonomia do usuário, ou falta dela, ou seja, quando os resultados dependem apenas de algorítmos, o jogo passa a não se enquadrar na legalidade. De acordo com a Lei de Contravenções Penais (n°3.688/1941 art. 50), os casinos físicos são considerados ilegais, com pena para quem “estabelecer ou explorar jogos de azar em local público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele” e, ainda de acordo com a lei, configuram como jogos de azar aqueles que, entre outras questões, “o ganho e perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte”.
Porém, nas bets esportivas não se pode afirmar que exista um controle tão real assim, já que as casas de apostas visam o lucro e não exatamente o bem estar do apostador. Em vista disso, segundo a Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL), cerca de 80% dos lucros das bets vem dos jogos de cassino virtual e, por representar a maior parte de seu lucro, um dos grandes objetivos das plataformas é levar o usuário para os jogos de cassino.
“Naquele momento em que você está apostando tem o logotipo da casa de apostas, tem as cores, tem o influencer que divulga… você está criando memórias afetivas com tudo isso. Os patrocínios das bets no futebol são perigosos porque toda vez que você ver a propaganda passando na televisão, no letreiro do campo ou na camisa do time, o cérebro cria o desejo e nós não temos controle sobre os nossos desejos. Você pode até controlar o que você vai fazer sobre isso, mas os desejos você não controla, e as casas de apostas sabem disso. […] Isso é extremamente cruel, você cai numa armadilha da emergência daquele desejo de apostar de novo”, completa Bruno.
Para além da relação com o vício, as apostas esportivas também estão relacionadas com esquemas de manipulação de resultados no futebol. No recente caso da Máfia das Apostas, que estourou em fevereiro de 2023, o Ministério Público de Goiás (MP-GO) investigou e denunciou jogadores e outras pessoas por manipulação de jogos do Campeonato Brasileiro masculino. Os criminosos cooptavam jogadores para que esses cometessem faltas, tomassem cartões amarelos e forjassem pênaltis para beneficiar os apostadores. O esquema só existe porque é possível apostar no futebol.
Além disso, Paloma destaca os motivos que fazem com que a publicidade no mundo dos esportes seja tão comum, mesmo que contraditória:
“O ambiente esportivo é muito promissor para as marcas devido à proximidade com o cotidiano das pessoas, por mexer com a paixão. Então, é um ambiente que todos querem fazer parte de certa maneira e que faz sentido para muitos, mesmo que sua marca não esteja ligada à saúde ou bem-estar. A grande questão é, de fato, quando marcas destoam de forma negativa, já que esperamos de um patrocínio a busca por se associar aos atributos positivos que o esporte pode agregar.”
Atualmente, como tentativa de frear os altos índices de apostadores que acabam no vício, o Governo Federal instituiu regras claras, como a não participação de crianças e adolescentes e a proibição de apostas pós-pagas (cartão de crédito), na tentativa de evitar que o apostador se endivide, apostando apenas com o dinheiro que possui no momento. Além disso, o Governo adverte que as apostas devem ser apenas uma forma de diversão e não uma fonte alternativa de renda e proibiu que beneficiários de programas sociais, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada apostem com seus auxílios.
Outra medida que interfere não apenas nas casas de apostas mas também nos comércios do tabaco é a proibição de propagandas sobre esse tipo de produto. A publicidade de casas de apostas esportivas não é proibida, mas deve se ater apenas a tratá-la como uma atividade de lazer e, portanto, são proibidas as propagandas que associam a aposta como meio de enriquecer ou renda complementar. Já a publicidade tabagista, passou a ser mais controlada em 1996, com a Lei nº 9.294, e desde 2011 é proibida de acordo com a Lei nº 12.546.
Expediente
Redação: Carol Freire
Edição: Olívia Pilar
Coordenação: Ana Carolina Vimieiro