
Por Emanuel Cortez, estudante de Jornalismo da UFMG
De Belo Horizonte às pistas internacionais, o atleta do CTE/UFMG transforma dedicação e persistência em conquistas históricas. Após anos treinando por conta própria e conciliando o esporte com o trabalho, Tiago vive o auge da carreira, sonhando com os Jogos Olímpicos de Los Angeles 2028 e com um futuro para inspirar a nova geração do atletismo nacional.
Natural de Belo Horizonte, com 30 anos de idade e nove anos de experiência no atletismo, Tiago Lemes teve seu primeiro contato com esportes por meio do futebol, jogando na escola e assistindo o esporte pela televisão. Não à toa, tem como ídolo o ex-jogador da seleção brasileira Ronaldinho Gaúcho.
Sua introdução ao atletismo veio aos 13 anos de idade, quando estudava em Lagoa Santa (MG). Em uma das aulas de Educação Física, seu professor apresentou a modalidade para os alunos e ele se encantou imediatamente pelo esporte. Ao mesmo tempo, Tiago sempre se destacava por sua velocidade e preparo físico, então recebeu o apelido de “Bolt”, uma referência ao atleta Usain Bolt, velocista recordista mundial e multicampeão olímpico. Ao pesquisar mais sobre o jamaicano, ele percebeu que gostaria de seguir essa carreira. “Pesquisei sobre ele no YouTube, comecei a assistir na televisão e pensei, é isso aí que eu quero. Vou correr”.
Sem acesso à nenhuma estrutura no momento, Tiago começou a treinar sozinho. As primeiras corridas que ele disputou foram contra o ônibus escolar:
“Eu morava a mais de um quilômetro do ponto do [ônibus] escolar. Eu não sei o que acontecia, mas alguma coisa sempre me atrasava. Aí quando dava 6h20 eu escutava o ônibus descer lá de cima, eu começava a correr pra chegar no ponto antes dele. Foram poucas vezes que ele chegou antes de mim e perdi ele. Então era assim todo dia”
Após se formar no ensino médio em 2013, ainda treinando sozinho, Tiago se alistou na aeronáutica, em Lagoa Santa, na esperança de encontrar uma equipe de atletismo. O início foi uma quebra de expectativa: “Consegui entrar, mas no Curso de Formação, percebi que não tinha nada disso [atletismo] lá”.
O brasileiro seguiu na força aérea até que, no final de 2014, um de seus amigos da mesma turma na aeronáutica, que havia treinado natação na UFMG, colocou o Tiago em contato com o treinador Roberto de Santis, do Centro de Treinamento Esportivo da UFMG (CTE), que deu a primeira oportunidade para Tiago no esporte. Durante os primeiros anos, o brasileiro ia todos os dias à noite para a capital mineira treinar, conciliando a rotina de treinos com o trabalho na aeronáutica.
Sua trajetória pode ser definida como dedicação e persistência. Desde que ingressou na modalidade em 2014, Tiago não recebeu nenhum salário pelo atletismo até se vincular à um clube em 2023, então dependia de trabalhar todos os dias, enquanto mantinha a rotina de um atleta profissional, para seguir seu sonho.

Consolidação no cenário e primeiras conquistas
A primeira competição de Tiago Lemes no atletismo foi em 2015, no CTE, correndo os 100 metros rasos no tempo de 11.88s e conquistando uma medalha de bronze na categoria sub-23. Foi no final desse ano que o brasileiro se encontrou nos 400m rasos, após alguns testes com seu treinador, sua principal prova nos dias de hoje. Tiago estreou nos 400m em 2016, no torneio aberto da Federação Mineira de Atletismo.
“O Roberto tinha feito um teste nos 800m e viu que eu era um corredor de 400. Ele ficou ali calado, me treinando pra isso, aí na minha primeira competição nos 400m, no CTE, corri 49 [segundos] e fui campeão. Uma marca abaixo dos 50 e uma medalha de ouro, pra quem correu a prova pela primeira vez, é muito bom. Todo mundo acha essa prova horrível, por causa da dor, e eu pensei: Gente, como vocês falam mal? É só isso? Aí eu lembrei de quando eu corria atrás do ônibus, a minha corrida que eu fazia é o que eu tenho que fazer nos 400m hoje”.
A primeira participação do atleta no Troféu Brasil, principal competição nacional do atletismo, veio em 2017, em São Bernardo do Campo (SP). A equipe de Tiago Lemes no revezamento 4x400m dominava os campeonatos em Minas Gerais, mas um dos integrantes não pôde participar do torneio nacional. Independentemente da adversidade, eles montaram uma nova equipe e, como o revezamento não exigia índice (marca de tempo mínima a ser atingida para classificar-se ao torneio), competiram para adquirir experiência, conquistando o segundo melhor tempo da bateria e o 9° lugar geral. Foi nessa competição que veio o choque de realidade para o brasileiro, como ele descreve:
“Depois da minha prova, decidi assistir o Troféu Brasil. Na época, minha melhor marca era 48 segundos nos 400 rasos, e aqui [Minas Gerais] eu tava bem, medalhando em todas as competições. Só que quando eu cheguei lá e fui assistir os 400m com barreira, os caras correram essa prova em 48 segundos, e eu corria esse tempo no raso. Eu pensei: Caraca, tem alguma coisa errada aqui, não é possível, tenho que treinar mais.”
Tiago continuou trabalhando duro nos anos seguintes para melhorar sua marca, até que atingiu o índice de classificação para os 400m rasos individuais do Troféu Brasil pela primeira vez, em 2019. Na sua primeira participação no torneio nacional individualmente, o atleta conseguiu bater seu recorde pessoal, correndo 47.53s, mas não classificou-se para a final.
Dificuldades da pandemia, incertezas e volta por cima
Vivendo um bom momento na carreira e melhorando cada vez mais, Tiago deu baixa na força aérea no início de 2020 e, logo depois, veio a pandemia do Covid-19. Naquele momento, o brasileiro voltou pra casa dos pais em Lagoa Santa e, sem saber quanto tempo duraria o lockdown e já com 24 anos de idade, não tinha mais certeza de como sua carreira daria sequência. O atleta decidiu, então, dar mais foco para a faculdade de Educação Física, que havia começado em 2018. Tiago comprou alguns materiais de personal para começar a treinar os amigos e pessoas da região e construir sua carreira como Educador Físico. Porém, a paixão pelo esporte falou mais alto:
“Eu ficava assistindo os vídeos de atletismo no Instagram e aquilo mexia comigo. Nesse momento, pensei que não tinha nada a perder, tenho todo esse espaço aqui e gosto do atletismo, então vou ficar preparado. Então comecei a treinar no condomínio, sozinho. […] Comecei a ver um pessoal de fora postando os treinos, comecei a analisar eles e montar meus treinos com base nisso.”
No final de 2020, quando as competições retornaram, Tiago foi do segundo grupo de atletas que voltou a treinar no CTE. Na época, os atletas que haviam feito seus índices para o Troféu Brasil antes do lockdown voltaram duas semanas antes, mas Tiago não tinha competido no começo do ano, então não tinha a marca.
Já pensando na preparação para 2021, seu treinador chegou com a oportunidade de participar dos testes dos 400m, mesmo sem ter treinado muito após o retorno. Com poucas expectativas sobre ele, Tiago surpreendeu a todos e fez uma marca melhor do que tinha em 2019, apenas com o preparo que fazia em casa, durante a pandemia. Esse desempenho rendeu para ele a oportunidade de competir no 11° Torneio de Atletismo Paulista na semana seguinte, no qual ele ganhou a prova, atingiu o índice e classificou-se para o Troféu Brasil daquele ano.
Ainda no período da pandemia, Tiago Lemes arcou sozinho com os custos da viagem e foi para a competição. Mesmo sem muitas expectativas, o brasileiro se classificou para a final e conseguiu um impressionante quinto lugar. Os Jogos Olímpicos haviam sido adiados para 2021 e os quatro atletas que terminaram na frente de Tiago na prova se classificaram para as Olimpíadas tempo depois, mostrando para o brasileiro o quão próximo ele estava de alcançar esse objetivo.

Novos rumos
Quando tudo parecia caminhar para a direção certa, seu treinador Roberto saiu do projeto do CTE em 2022 e Tiago passou a treinar sozinho novamente. Na época, trabalhava com seu pai como pintor nas manhãs e tardes, então ia poucas vezes na semana para Belo Horizonte treinar na pista do CTE durante a noite, enquanto tentava manter certo ritmo de treinos nos outros dias, em casa.
Foi quando Renato Guerreiro, supervisor técnico do setor Paralímpico do CTE, convidou Tiago para ser atleta guia dos velocistas com deficiência visual. Assim, essa foi a oportunidade perfeita para o brasileiro trabalhar e treinar no CTE, auxiliando na sua rotina. Mesmo treinando sozinho, o atleta conseguiu classificar-se para o Troféu Brasil novamente, mas não fez uma boa competição, sendo eliminado ainda na semifinal.
Depois de um ano abaixo do esperado, sua carreira teve uma virada de chave rápida. Tiago Lemes começou a treinar com a treinadora Roberta Oliveira, atual Vice-Presidente da Federação Mineira de Atletismo, no final de 2022. Apesar de Roberta ser especializada nas provas de lançamento e arremesso, o encaixe com o brasileiro foi perfeito, unidos pelo objetivo de ir para as Olimpíadas e conquistar uma medalha, algo que ela não fez como atleta, mas deseja atingir como treinadora:
“O Tiago é um atleta que muitos treinadores gostariam de ter para treinar, é extremamente dedicado e comprometido, sabe onde quer chegar e temos uma relação e afinidade muito boa, pois queremos a mesma coisa, uma medalha olímpica, sermos olímpicos e estamos no caminho. Deus me deu a oportunidade de conduzir os treinos do Tiago e estamos tendo bons resultados com o auxílio de toda equipe do CTE/UFMG” – disse Roberta, em entrevista.
Seleção brasileira, obstáculos e amadurecimento
No Troféu Brasil de 2023, Tiago Lemes ficou a um passo do pódio e alcançou o 4° lugar nos 400m rasos. Apesar de não conseguir uma medalha, o resultado rendeu sua primeira convocação para a seleção brasileira de atletismo, para competir o revezamento 4x400m misto no Campeonato Sulamericano de Atletismo, em São Paulo, no qual conquistou o 2° lugar. Desde então, Tiago teve a oportunidade de participar de diversas competições representando o Brasil, como o Campeonato Ibero-americano de Atletismo e Mundiais de revezamento, na China, em Bahamas e, recentemente, no Japão:
“Competir à nível mundial é muito bonito. O atletismo lá fora é diferente. A experiência de estar em uma competição internacional, de fazer o que você gosta, o que você ama, seguir seu sonho, é incrível. […] Quando a gente vai [pro Mundial], a gente faz parte disso, então eu encontro com o Noah Lyles (atual campeão olímpico dos 100m rasos), com o van Niekerk (recordista mundial dos 400m e campeão olímpico), o Bednarek (multimedalhista olímpico), eles já cumprimentam e reconhecem, é muito bacana.”
Em 2024, Tiago fazia um bom ano e estava se preparando para conseguir uma vaga nos Jogos Olímpicos de Paris, porém, havia sofrido uma fratura por estresse no navicular (osso no pé) e ficou oito semanas sem treinar com impacto, no final de 2023, o que atrapalhou seu planejamento. Apesar de ter se recuperado, o brasileiro não conseguiu fazer uma boa prova nos 400m no Troféu Brasil daquele ano e acabou ficando de fora da convocação para os Jogos Olímpicos.
Quando questionado sobre as dificuldades de enfrentar uma lesão, especialmente por ser próximo a um evento tão relevante, ele destacou a importância de um bom preparo psicológico para enfrentar as adversidades:
“Primeiramente, o atleta tem que se conhecer. Se ele não se conhecer, a lesão se torna um monstro para ele. A recuperação física, em si, é rápida, mas a psicológica que manda. Você vai tentar correr e não tá na mesma performance de antes, aí o atleta se sente impotente. […] Vem um turbilhão de questionamentos na cabeça e o atleta fica numa posição defensiva.”

Vivendo o auge motivado pelo sonho olímpico
Já em 2025, Tiago Lemes vive o melhor momento de sua carreira. Motivado para representar o Brasil nos Jogos Olímpicos de Los Angeles 2028, o brasileiro fez uma temporada de competições praticamente impecável.
Neste ano, Tiago foi campeão dos 400m no Troféu Brasil pela primeira vez na carreira, com recorde pessoal de 45.12s, além de vencer essa prova no Campeonato Brasileiro de Atletismo de Provas Similares ao Indoor, no 2° Circuito Paulista Open de Atletismo, no Troféu Adhemar Ferreira da Silva de Atletismo e no Campeonato Paulista de Atletismo. Além disso, também conquistou dois ouros em revezamentos 4×400 mistos, tanto no Troféu Brasil, quanto no Sulamericano de Atletismo, representando a seleção brasileira, no qual ele também venceu no revezamento 4×400 metros masculino.
Tiago Lemes aproveitou para destacar a importância da infraestrutura do Centro de Treinamento Esportivo na sua preparação e como isso reflete nos resultados:
“Desde a primeira vez que eu vi, só pensei em aproveitar o máximo da estrutura que a gente tem aqui. Ao decorrer dos anos, vieram excelentes profissionais. […] Hoje tá tudo alinhado, com a minha psicóloga, com o nutricionista, com a fisioterapia, com a fisiologia, que não existia antes e entrou agora para corrigir os detalhes e refinar a preparação, e com meus treinadores. A gente montou uma grande equipe, que está me motivando cada vez mais. Hoje vejo que está palpável [as Olimpíadas].”
Trabalhar para ser uma referência no esporte
Quando terminar sua carreira, Tiago manifestou seu interesse em trabalhar como treinador: “Precisa de alguém que tenha essa bagagem pra passar. Eu vejo que eu como atleta, e como formei como profissional de Educação Física, que uma dica ali já muda muito para o atleta.” Essa vontade se alinha com sua perspectiva de, como atleta, ser uma referência para levar o atletismo brasileiro à outro patamar.
Analisando a situação atual do atletismo no Brasil, na qual o esporte não tem o mesmo investimento, visibilidade e estabilidade para os atletas se comparado a outros, como o futebol, Tiago Lemes ressalta a importância de trabalhar muito e ser resiliente, para chegar em uma posição que lhe permita ser a espinha dorsal dessa virada de chave:
“A gente não está mesmo em uma situação de muito investimento, mas temos que fazer por onde. Eu comecei a reparar que, quando fazemos entrevista, a história é sempre a mesma de pedir por investimento, mas a galera que está por trás não entende o porquê disso. Poucos vão pensar assim, mas eu vou utilizar os recursos que eu tenho pra fazer isso [maiores investimentos no atletismo] acontecer. “Ah, mas ninguém fez isso”, então eu vou ser o primeiro.”
Mesmo após tantas curvas, quedas e recomeços, Tiago Lemes segue correndo. Agora, não mais atrás do ônibus, mas de um propósito maior. Sua história é a de quem transformou pressa em disciplina, improviso em método e sonho em rotina. Entre a simplicidade da infância e o brilho das pistas internacionais, ele carrega consigo o mesmo impulso que o fez sair de casa todos os dias: a vontade de chegar mais longe. Para quem aprendeu a correr antes mesmo de ter uma pista, o horizonte segue aberto e em movimento.

Expediente
Redação: Emanuel Cortez
Edição: Olívia Pilar
Coordenação: Ana Carolina Vimieiro