Entre Letras e Quadras: a resistência esportiva da AALEB na UFMG

Mesmo enfrentando evasão, resistências internas e falta de engajamento, a Atlética da Letras, Ciência da Informação e Belas Artes segue lutando para manter vivo o espírito esportivo e coletivo dentro de cursos historicamente afastados das quadras.

Por Felipe Gonzaga (@gonzagafelipe08), Matheus Ribeiro (@mathribeiro7) e Vinícius Yutaka (@viniyutaka)

Logo da AALEB – Foto: Divulgação

A Associação Atlética da Faculdade de Letras, Escola de Ciência da Informação e Escola de Belas Artes da UFMG, conhecida pela sigla AALEB, nasceu de uma necessidade prática, mas carregada de simbolismo. Antes de existir formalmente, o que havia era apenas o desejo de jogar. Um grupo de amigos das Letras e da Ciência da Informação decidiu formar um time de futsal, batizado de Drummônios, nome que homenageava o poeta Carlos Drummond de Andrade. Sem representação esportiva nos seus prédios, esses estudantes se organizaram por conta própria para participar dos campeonatos universitários. O time cresceu, chamou atenção e, aos poucos, a brincadeira entre amigos virou um movimento de verdade.

A formalização da atlética surgiu dessa vontade de permanecer e representar. Unir cursos distintos, porém próximos, foi o passo seguinte. Assim, Letras e Ciência da Informação se juntaram oficialmente e deram origem à AALEB. O ingresso da Escola de Belas Artes veio depois e foi marcado por controvérsias. A diretoria da escola, à época, demonstrou resistência à ideia, sustentando que “esporte não é arte”. Essa frase, lembrada até hoje pelos integrantes mais antigos, simboliza uma barreira cultural que a atlética precisou enfrentar desde sua fundação. 

“Mas na Letras, existia uma dificuldade muito grande, principalmente nesse início, porque uma parte das pessoas não só não gostava, mas resolveu lutar contra mesmo, assim, né? A gente teve já a sede invadida, algumas coisas quebradas e tal. Tanto que a gente depois perdeu a sede, pouco tempo depois. Tinha uma salinha pequena que a gente ficava lá às vezes. Uma galera assim, muito ligada ao DA, mais ligada ao movimento estudantil, era assim: “Eu odeio atlética e eu quero que acabe com isso”, Débora Elisa, ex-presidente da AALEB. 

Representando a diversidade

Hoje, anos depois daquela primeira bola rolando em quadra, a AALEB consolidou-se como uma das atléticas mais diversas e representativas da UFMG, reunindo estudantes de diferentes cursos e origens em torno do mesmo espírito esportivo. Ao longo do tempo, a entidade ampliou suas modalidades e hoje marca presença em competições com times de futsal masculino, handebol masculino e feminino, vôlei misto, peteca, atletismo e basquete feminino, este último considerado um dos maiores orgulhos da associação. O time de basquete feminino, comandado pela capitã Ale, é frequentemente lembrado pela diretoria e pelos colegas como um exemplo de dedicação, engajamento e superação, simbolizando o esforço coletivo e a paixão que movem a AALEB. Mais do que representar vitórias, essas equipes expressam o compromisso da atlética em criar oportunidades de participação e fortalecer os vínculos que unem seus membros dentro e fora das quadras.

Time feminino de basquete da AALEB – Foto: Acervo Pessoal

“Acreditamos que esse sucesso se deve muito à liderança e dedicação da capitã Ale, que tem sido uma peça fundamental na motivação, organização e crescimento do time”, afirma Cacau, presidente da atlética.

O símbolo da AALEB

A coruja, símbolo da AALEB, representa de forma marcante o elo entre sabedoria, criatividade e espírito coletivo, valores profundamente enraizados nos cursos que compõem a atlética. Inspirada na coruja de Atena, figura mitológica associada ao conhecimento e à estratégia, ela reflete a busca constante por equilíbrio entre a razão e a expressão artística, entre o pensar e o fazer. Mais do que um simples emblema, a mascote tornou-se parte essencial da identidade da entidade, estampando brasões, camisetas e materiais de divulgação com um significado que ultrapassa o campo simbólico. Em cada competição, evento ou projeto interno, a coruja acompanha os membros da AALEB como um lembrete da força que nasce do coletivo, da importância de se manter fiel às origens e da capacidade de transformar o ambiente universitário em um espaço de pertencimento, resistência e criatividade compartilhada.

Coruja da AALEB – Foto: Divulgação

Inclusão e coletividade

O funcionamento da AALEB se baseia em princípios de inclusão e coletividade. Não há seletivas nem pré-requisitos de experiência para integrar as equipes, basta a vontade de participar e se envolver com o esporte. A atlética conta atualmente com cerca de 80 atletas ativos, número considerado expressivo, mas que ainda está aquém do potencial estimado pela diretoria. Dois técnicos fixos, Nini e Tayuan, acompanham as equipes ao longo da temporada, oferecendo suporte técnico. 

Na AALEB, o espírito esportivo vai além da disputa. As rivalidades existem, claro, mas são guiadas pelo respeito e pela amizade entre atléticas e atletas. Em modalidades como futebol, vôlei e basquete, a competitividade é acompanhada por um senso coletivo que valoriza mais o encontro do que o resultado. Depois dos jogos, as comemorações e confraternizações reforçam essa identidade acolhedora: as vitórias são divididas, as derrotas se transformam em histórias e, no fim, todos se reconhecem como parte de uma mesma comunidade.

Mais do que competir, a AALEB busca construir um espaço genuíno de pertencimento e convivência. A entidade mantém uma postura firme contra qualquer forma de discriminação seja racismo, misoginia ou homofobia, e reafirma constantemente seu compromisso com a inclusão, o respeito e a empatia entre seus membros. Mais do que vitórias em quadra, o que move a atlética é a vontade de reunir pessoas diferentes em torno de um mesmo propósito, fortalecendo laços e celebrando a diversidade que caracteriza seus integrantes. 

“É, a gente começou como um, um coletivo de pessoas que, tipo, velho, não precisa de você saber jogar, você quer só vir? É, você quer conhecer pessoas novas? E foi muito isso, assim. No início a gente era tipo, não, a gente vai vir, todo mundo vai participar, todo mundo vai jogar”, afirma Débora Elisa, ex-presidente da AALEB.

Afeto e desafios

Pequena, unida e afetuosa, a AALEB se define como uma verdadeira família universitária, em que cada jogo, treino ou evento reforça o elo coletivo que sustenta sua trajetória e dá sentido à sua permanência.

Atletas reunidos em confraternização – Foto: Acervo pessoal

“Mas eu sempre penso que a ideia da AALEB é ser um lugar pra se fazer parte. Ganhar é bom mas ter mais pessoas jogando junto e sentido acolhidas é melhor. (…) A gente é muito familiazinha, ainda mais por sermos uma atlética pequena que todo mundo se conhece, frequenta as casas uns dos outros, etc”, comenta Lara, atleta da AALEB.

A evasão de integrantes é um problema que atravessa gestões e impacta diretamente o planejamento e a mobilização para campeonatos. Segundo relatos da atual diretoria, a ausência de uma equipe de marketing e comunicação tem limitado o alcance das ações e o recrutamento de novos participantes. Além disso, a resistência ainda presente na comunidade das Belas Artes, onde parte dos estudantes não se reconhece no espaço esportivo, reforça o desafio de consolidar a identidade da AALEB como uma atlética verdadeiramente integrada entre os três prédios.

“Desde que eu entrei na atlética, senti um movimento muito intenso de evasão das pessoas (tanto de diretores quanto de atletas). Por isso, sempre foi o maior desafio, sinto cada vez menos pessoas na atlética e isso me deixa profundamente triste”, diz Letícia Carvalho, ex-atleta e coordenadora. 

Atualmente, a gestão da AALEB é conduzida por uma equipe reduzida, composta apenas pela presidente Carolina Gomes de Araújo, conhecida como Cacau, e sua vice Maria Luiza, a Malu, que assumem praticamente todas as funções administrativas da entidade. As duas são responsáveis por coordenar o marketing, organizar eventos, gerenciar competições e resolver toda a parte burocrática, um acúmulo de tarefas que torna a rotina pesada e desafiadora. A sobrecarga, somada à falta de voluntários e à dificuldade de renovação de membros na diretoria, preocupa a atual gestão, que teme pela continuidade das atividades após o fim do mandato.

Apesar das dificuldades, o sentimento de união e pertencimento segue sendo a principal motivação para continuar. A presidente destaca que, mesmo com a estrutura enxuta e os obstáculos diários, o vínculo entre os integrantes é o que mantém viva a essência da atlética. “O mais gratificante é sentir esse espírito de família. Mesmo sendo uma atlética pequena, nunca me senti desamparada ou sozinha”, afirma Cacau. Essa sensação de apoio mútuo e companheirismo reforça a ideia de que, na AALEB, o esporte é apenas uma parte do que realmente importa: o laço humano que sustenta o coletivo.

Mesmo diante das adversidades, a AALEB continua marcando presença em competições relevantes do calendário universitário, reafirmando seu compromisso com o esporte e com a integração estudantil. A entidade participa da Copa União, do Inter UFMG e dos Jogos Universitários Brasileiros (JUBs), sendo representada principalmente pelas equipes de basquete e cheerleading, duas modalidades que simbolizam a paixão dos seus membros. Essas competições vão muito além do aspecto esportivo: representam também momentos de convivência, troca de experiências e fortalecimento da identidade da atlética dentro da universidade. Cada participação, mesmo quando marcada por limitações financeiras ou logísticas, reafirma o papel da AALEB como um espaço de resistência e pertencimento no ambiente acadêmico.

Parcerias

Além dessas competições, a atlética mantém uma parceria com a AAFAFICH para disputar o CIA (Copa Inter Atléticas), iniciativa que tem gerado opiniões divididas entre os integrantes. Para alguns atletas, a união amplia as oportunidades de participação, fortalece o desempenho coletivo e ajuda a manter vivas as modalidades em períodos de baixa adesão. Para outros, porém, essa parceria acaba diluindo a identidade da AALEB e reabrindo antigas rivalidades entre as faculdades envolvidas. Em 2025, apenas quatro modalidades foram inscritas na Copa União, um número que reflete não apenas as dificuldades organizacionais enfrentadas no último ano, mas também o desafio permanente de mobilizar novos participantes e equilibrar tradição, estrutura e engajamento dentro da atlética.

A trajetória da AALEB é atravessada por personagens que deixaram marcas profundas na entidade. Nini Sampaio, ex-presidente, foi uma das figuras centrais nesse processo, sendo lembrada pela firmeza e dedicação com que enfrentou resistências e ajudou a consolidar o reconhecimento da atlética dentro da universidade. Sávio, atleta e capitão de equipe, teve papel essencial na organização e motivação dos grupos esportivos, viabilizando participações em campeonatos e fortalecendo o sentimento coletivo. Outros nomes, como Julia, também contribuíram de forma significativa para manter a atlética ativa, mesmo em períodos de pouca adesão e instabilidade administrativa. Esses legados pessoais mostram como a força da AALEB sempre dependeu de indivíduos dispostos a carregar o espírito associativo nas costas, mesmo quando o cenário institucional não era favorável.

Equipe de atletismo da AALEB – Foto: Acervo pessoal

Unido letras e quadras

Dentro do cenário das atléticas universitárias, a AALEB ocupa uma posição singular e bastante significativa. Diferente de muitas entidades mais conhecidas pelo foco em resultados esportivos e competições intensas, a AALEB reúne cursos tradicionalmente associados à linguagem, à pesquisa e às artes visuais, campos em que o olhar sensível e a criação intelectual ocupam o centro da formação. Isso faz com que sua atuação vá além do simples desempenho atlético: ela se transforma em um espaço de convivência, expressão comunitária e valorização da diversidade. A união de estudantes de Letras, Ciência da Informação e Belas Artes sob o mesmo nome e uniforme é, por si só, um gesto simbólico de integração entre áreas que raramente se cruzam no cotidiano acadêmico. Isso demonstra os desafios de conciliar mundos que, à primeira vista, parecem distantes: o das letras e o das quadras. Essa tensão criativa, no entanto, é também a força que alimenta o espírito da AALEB, uma atlética que, mais do que competir, busca construir vínculos, afirmar identidades e provar que o esporte pode dialogar com a arte, o pensamento e a imaginação.

Ainda que os resultados esportivos oscilem e a estrutura administrativa enfrente altos e baixos, a existência contínua da AALEB é, por si só, uma vitória, talvez uma das mais expressivas do ambiente universitário. A entidade resistiu ao tempo, à falta de recursos, à escassez de apoio institucional e ao desinteresse que muitas vezes atinge os cursos de humanidades. Mesmo diante dessas barreiras, continua sendo um espaço de sociabilidade, identidade e representação estudantil para dezenas de alunos que, de forma voluntária, dedicam tempo, energia e afeto à manutenção da atlética. Mais do que colecionar troféus, a AALEB se define pela sua capacidade de persistir em meio às incertezas, reinventando-se a cada gestão e mantendo viva a energia que, anos atrás, levou um grupo de amigos a fundar o Drummônios apenas para jogar juntos. Essa chama de amizade e compromisso coletivo segue sendo o motor que impulsiona a atlética e dá sentido à sua presença dentro da UFMG.

Equipe de Cheer da AALEB – Foto: Acervo pessoal

Entre vitórias e derrotas, a história da AALEB continua sendo escrita por aqueles que acreditam que o esporte também é uma forma de arte, um espaço de expressão, convivência e resistência dentro da universidade. Para seus integrantes, competir vai além da busca por resultados: é sobre criar laços, aprender coletivamente e afirmar a importância do corpo e da comunidade na vida acadêmica. Mais do que uma entidade esportiva, a AALEB é um testemunho vivo da criatividade, da persistência e da força coletiva que atravessam os muros da UFMG. Sua trajetória mostra que o esporte pode ser também um território de afeto e expressão simbólica, onde as fronteiras entre arte e movimento se confundem, e onde a verdadeira vitória está em manter viva a chama da união, do respeito e do pertencimento.

Expediente

Apuração e redação: Felipe Gonzaga, Matheus Ribeiro e Vinícius Yutaka

Edição: André Quintão

Coordenação: Ana Carolina Vimieiro

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Autor: Laboratório de Comunicação e Esporte

O Laboratório de Comunicação e Esporte é uma disciplina de graduação ofertada anualmente no Departamento de Comunicação Social (DCS) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) pela professora Ana Carolina Vimieiro.

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