Da exclusão emerge o novo: a construção da Fênix, atlética da Saúde

Como uma recusa virou revolução e deu origem a uma das mais diversas e competitivas atléticas da universidade

Por Cauê Siwek, estudante de Jornalismo da UFMG

Há histórias que começam em silêncio e se transformam em movimentos capazes de alterar todo um ecossistema. No caso da Atlética da Saúde da UFMG, tudo nasce de um gesto simples, mas decisivo: o “não” que uma estudante de Enfermagem recebeu ao pedir para jogar em uma equipe esportiva da Atlética da Medicina. O que poderia ter sido apenas uma frustração acabou se tornando a faísca para fundar uma entidade que, uma década depois, se consolidaria como símbolo de resistência, união e superação.

Fundada em 2014, a Associação Atlética Acadêmica da Saúde nasceu da percepção de que o chamado “Campus da Medicina”, na verdade, não era composto apenas por Medicina. Ali coexistem duas unidades administrativas independentes: a Escola de Enfermagem, mais antiga e que abriga Enfermagem, Nutrição e Gestão de Serviços de Saúde; e a Faculdade de Medicina, com Medicina, Radiologia e Fonoaudiologia. A nova atlética surge, então, como o espaço esportivo dos três cursos da Escola de Enfermagem e como contraponto ao histórico monopólio esportivo do Conclave da Medicina.

De lá para cá, a Saúde trilhou um caminho próprio — às vezes difícil, por limitações estruturais, financeiras e logísticas; às vezes brilhante, com conquistas que marcaram gerações. Hoje, com cerca de 80 atletas ativos, a Atlética da Saúde se afirma como um projeto coletivo sustentado por esforço, comunidade e paixão universitária.

Retrato da segunda “Cachorrada da Saúde” de 2024. Crédito: Divulgação Fênix

Onde tudo começou: a recusa que virou identidade

A semente da história foi plantada quando uma aluna da Enfermagem, sem encontrar equipe esportiva para representar seu curso, buscou vaga no time da Atlética da Medicina. A resposta foi curta: as equipes eram exclusivas para alunos de Medicina.

A partir dessa negativa começou a organização para fundar a própria Atlética — não apenas para Enfermagem, mas para todos os cursos que ficavam de fora do modelo tradicional do Campus Saúde. Assim nascia a Atlética da Saúde: diversa em cursos, múltipla em trajetórias e marcada pela ideia de que o esporte deve ser para todos.

Desde então, a identidade da Saúde se molda pela resistência. Com poucos recursos e sem apoio institucional da universidade para espaços de treino, a Atlética precisou desenvolver formas próprias de se manter ativa.

Desafios estruturais: geografia, renda e desigualdade esportiva

Se para algumas atléticas da UFMG a jornada até os treinos é quase automática, na Saúde essa logística sempre foi parte do problema. Os cursos ficam no Centro, enquanto o principal complexo esportivo da UFMG — o CEU — fica na Pampulha, a vários quilômetros de distância.

Para estudantes que, em grande parte, moram perto da universidade e têm renda mais baixa quando comparados às atléticas de Medicina e Direito, deslocar-se, treinar e manter frequência se torna um desafio real. E, sem quadras acessíveis ou baratas próximas ao Campus Saúde, a entidade depende majoritariamente de espaços alugados — o que custa caro.

Enquanto Medicina e Direito sustentam treinadores fixos, quadras frequentes e estrutura robusta financiada pela renda média mais alta de seus alunos, a Atlética da Saúde enfrenta uma realidade oposta. Ainda assim, é justamente dessa disparidade que nasce sua narrativa mais potente: competir de igual para igual, mesmo em condições bem mais difíceis.

Equipe de futsal feminino. Crédito: Divulgação Fênix

Modalidades, equipes e destaques

A Atlética da Saúde mantém equipes regulares nas seguintes modalidades:

  • Handebol Feminino
  • Handebol Masculino
  • Vôlei Feminino
  • Vôlei Masculino
  • Futsal Feminino
  • Futsal Masculino
  • Basquete Masculino
  • Vôlei de Praia Feminino

Além disso, embora não tenham treinos fixos, também compete em: Peteca (fem./masc.), Futmesa, Vôlei de Praia Masculino e Lutas.

Modalidades de destaque

Nos últimos anos, três modalidades se consolidaram como as grandes forças da Atlética:

  • Handebol Feminino – campeãs da Copa União 2024, iniciando um novo ciclo vitorioso.
  • Vôlei Feminino – campeãs do Inter UFMG 2023 e tricampeãs da Copa União (2022, 2023, 2024).
  • Vôlei de Praia Feminino – 2º lugar no Inter UFMG dos últimos dois anos e tetracampeãs da Copa União.

Esses resultados reacendem a tradição histórica da Saúde de montar equipes fortes que, mesmo com pouca estrutura, se tornam protagonistas nas competições da UFMG.

Equipe de voleibol feminino. Crédito: Divulgação Fênix

Antes da pandemia: uma atlética em expansão

Antes da interrupção causada pela pandemia de Covid-19, a Atlética da Saúde da UFMG vivia um período de crescimento esportivo e consolidação dentro do cenário universitário. As equipes já marcavam presença constante nas principais competições locais, especialmente na Copa União e em torneios internos da universidade.

 Modalidades como o vôlei masculino e a peteca se destacavam, acumulando resultados expressivos e ajudando a construir a identidade competitiva da Atlética. Nesse período, a Saúde chegou a conquistar o tricampeonato da Copa União no vôlei masculino e títulos importantes na peteca.

 Era um momento de continuidade, com elencos estáveis e uma cultura esportiva que se fortalecia ano após ano.

A era do vôlei: protagonismo e regularidade

Com a retomada gradual das atividades esportivas após a pandemia, o vôlei passou a ocupar um papel central dentro da Atlética da Saúde, especialmente no feminino. A equipe se tornou uma das principais forças da modalidade no ambiente universitário, combinando regularidade competitiva e resultados expressivos. 

O vôlei feminino conquistou o título do Inter UFMG em 2023 e manteve uma hegemonia notável na Copa União, com títulos consecutivos em 2022, 2023 e 2024. No vôlei de praia feminino, o protagonismo também se consolidou: a equipe alcançou o tetracampeonato da Copa União e obteve o segundo lugar no Inter UFMG tanto na edição mais recente quanto no ano anterior, confirmando a força da modalidade dentro da Atlética.

No masculino, embora os resultados tenham sido mais equilibrados, o vôlei seguiu competitivo, com presença constante nas fases decisivas. O terceiro lugar no Inter UFMG de 2025, na segunda divisão, e a terceira colocação na LIA de 2024 refletem uma equipe em reconstrução, mas ainda inserida no cenário competitivo universitário.

O novo ciclo: o protagonismo do handebol feminino

Nos últimos anos, o handebol feminino passou a simbolizar um novo ciclo esportivo da Atlética da Saúde. A equipe assumiu o papel de principal destaque competitivo da entidade, coroando esse momento com o título da Copa União de 2024. 

A conquista representa mais do que um troféu: marca a retomada da Atlética como força coletiva após os impactos da pandemia e reforça a capacidade de renovação das equipes. O handebol feminino também intensificou uma das rivalidades mais tradicionais da Saúde, especialmente contra a FAFICH, em confrontos que misturam competitividade, proximidade entre os cursos e grande mobilização das torcidas.

Esse novo momento evidencia a característica que atravessa toda a história da Atlética da Saúde: a capacidade de se reorganizar, redefinir protagonismos e manter o esporte como elemento central da vida universitária. Entre ciclos, títulos e reconstruções, a Atlética segue se reinventando — fiel à sua identidade e ao espírito coletivo que a sustenta.

Resultados esportivos recentes

Nos últimos anos, a Atlética da Saúde consolidou sua presença no cenário esportivo universitário da UFMG, com campanhas consistentes e títulos importantes, sobretudo nas modalidades femininas. O voleibol feminino viveu um de seus momentos mais vitoriosos ao conquistar o Inter UFMG em 2023 e estabelecer uma sequência dominante na Copa União, com títulos nas edições de 2022, 2023 e 2024. Esse protagonismo abriu caminho para um novo ciclo de destaque esportivo dentro da atlética.

O handebol feminino confirmou essa renovação ao conquistar o título da Copa União em 2024, reforçando o crescimento da modalidade e a capacidade da Atlética da Saúde de se reinventar competitivamente. No vôlei de praia feminino, a regularidade se transformou em resultado: a equipe foi vice-campeã do Inter UFMG em 2023 e 2024 e campeã das três últimas edições da Copa União, consolidando-se como uma das principais forças da modalidade no esporte universitário mineiro.

Entre as equipes masculinas, o voleibol manteve campanhas sólidas, alcançando o terceiro lugar no Inter UFMG de 2025, na segunda divisão, além do pódio na Liga Inter Atléticas em 2024. O futsal masculino também figurou entre os melhores, com o terceiro lugar na Copa União de 2024 e o vice-campeonato do Inter UFMG de 2025, na segunda divisão. Já o futsal feminino esteve repetidamente próximo do título, com dois vice-campeonatos consecutivos da Copa União, em 2022 e 2023, reafirmando sua competitividade.

Atletas que marcaram a história recente

Além dos resultados coletivos, a Atlética da Saúde foi palco de trajetórias individuais que elevaram o nome da UFMG em competições de alto nível. Flora Baldi destacou-se ao conquistar o título dos Jogos Universitários Mineiros representando a universidade e ao disputar os Jogos Universitários Brasileiros, principal torneio universitário do país. Na mesma esfera nacional, Sara Braga, estudante da Escola de Enfermagem, sagrou-se campeã brasileira universitária de tiro com arco nos JUBs, tornando-se uma referência da modalidade.

Dentro das competições locais e regionais, atletas como Letícia Canesso, Iury Pontes, Raissa Mourão, Eileen Chavez e Isabella Maia tiveram papel decisivo nas campanhas recentes da atlética, especialmente no handebol, no futsal e no voleibol, contribuindo diretamente para os pódios e títulos conquistados. Juntos, esses nomes simbolizam a capacidade da Atlética da Saúde de formar atletas competitivos mesmo diante de limitações estruturais, reforçando a identidade de resistência e pertencimento que marca a história da entidade.

Competições disputadas

Atualmente, a Atlética da Saúde participa de três grandes eventos:

  • Copa União (interna à UFMG)
  • Inter UFMG (interno à UFMG)
  • Copa Bravus

A Copa Bravus é uma competição universitária multiesportiva que reúne atléticas de diferentes instituições e cursos, funcionando como um espaço de integração, visibilidade e desenvolvimento competitivo fora do calendário tradicional da UFMG. Disputada em diversas modalidades coletivas, a competição se caracteriza por um nível técnico elevado e por confrontos equilibrados, oferecendo às equipes a oportunidade de ganhar experiência em torneios de maior porte e ampliar sua vivência esportiva.

Para a Atlética da Saúde, a Copa Bravus representa não apenas mais um ambiente de disputa por resultados, mas também uma chance de fortalecer a identidade das equipes, testar novos atletas e manter o ritmo competitivo ao longo do ano.

São torneios que colocam a Saúde frente a atléticas muito maiores, mais ricas e com mais estrutura — e mesmo assim a entidade mantém desempenho estável e presença constante no pódio.

Equipe de voleibol masculino. Crédito: Divulgação Fênix

Rivalidade: FAFICH, a amiga-adversária

A principal rivalidade da Atlética da Saúde é construída com a FAFICH e se desenvolve a partir da convivência próxima entre as duas atléticas. Mais do que um antagonismo esportivo, trata-se de uma relação marcada por amizade fora de quadra e competitividade intensa durante os jogos. Os confrontos mais significativos ocorrem no handebol feminino, no voleibol feminino e no futsal masculino, modalidades em que os encontros costumam ser decisivos.

Essa rivalidade funciona como um termômetro para a Saúde, elevando o nível dos jogos e fortalecendo a identidade esportiva da atlética. Entre provocações e respeito mútuo, os duelos contra a FAFICH se tornaram parte essencial da história recente da entidade.

Mascote: a Fênix e o significado do renascer

Canecas da Atlética da Saúde. Crédito: Divulgação Fêni

A Atlética da Saúde escolheu como mascote a Fênix, símbolo de renascimento e resistência. É uma metáfora perfeita para uma atlética que enfrentou recusas, falta de estrutura, distância das quadras e desigualdade financeira — e que mesmo assim insiste em existir, competir e crescer.

A Fênix representa a essência da Saúde: cair, levantar, reconstruir e seguir em frente.

Ser Saúde: comunidade acima de qualquer estrutura

O ingresso na Atlética da Saúde é aberto a todos os estudantes dos cursos da área da saúde da UFMG.

A entrada de novos atletas se dá por meio do grupo de recrutamento, que encaminha interessados para as modalidades disponíveis, horários de treino e critérios de participação, além de acolher calouros – um processo que integra, aproxima, constrói identidade e mantém o alto desempenho das equipes.

As informações sobre o recrutamento e as modalidades são divulgadas principalmente pelo perfil oficial no Instagram (@aaasufmg).

O legado que a Fênix carrega

Em seus 11 anos de história, a Atlética da Saúde se tornou um exemplo de como o esporte universitário pode ser agente de transformação mesmo quando faltam quadras, técnicos ou financiamento. A entidade cresceu se apoiando na união dos cursos, na garra dos atletas e na capacidade de renascer em cada ciclo esportivo.

Da recusa que originou sua criação ao tricampeonato histórico do vôlei, passando pelo novo ciclo do handebol feminino, tudo aponta para um mesmo caminho: a Saúde constrói seu futuro com as próprias mãos.

Porque ser parte da Atlética da Saúde é carregar no peito uma certeza —
a de que, assim como a Fênix, nenhum obstáculo é grande o bastante para impedir o renascimento.

Equipe masculina de voleibol. Crédito: Divulgação Fênix

Expediente
Redação: Cauê Siwek
Apuração: Cauê Siwek
Edição: André Quintão
Coordenação: Ana Carolina Vimieiro

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