Fundada por uma mulher, UFMG Fênix Esports se consolidou como uma das maiores atléticas de esportes eletrônicos do país

Com quase 200 membros ativos, compete em mais de 10 jogos, promovendo inclusão e representatividade feminina. Apesar dos desafios, como a escassez de campeonatos, a Fênix é um espaço de acolhimento e comunidade.

Fonte: Arquivo pessoal/ Fênix.

Por Soraia Carvalho, estudante de jornalismo da UFMG

Tudo começou em 2013, quando Luiza Bezerra Ribeiro, então universitária e apaixonada por jogos, percebeu que o campus da UFMG poderia ser mais do que um espaço de estudo: um local para reunir pessoas que compartilhavam da mesma paixão pelos games. Assim nasceu a UFMG Esports, um grupo que tinha o objetivo de reunir estudantes em torno dos jogos digitais, ainda sem se reconhecer, naquele momento, como uma atlética.

Nos anos de 2015 e 2016, o projeto deu um salto importante com a realização dos primeiros campeonatos internos da universidade, oficializados pela Riot Games, empresa estadunidense responsável por organizar torneios na área. As competições tiveram muita adesão, 16 equipes formadas por estudantes de diferentes cursos se inscreveram. O único requisito era ter vínculo com a UFMG, sendo aluna/o, ex-aluna/o ou funcionária/o e, claro, gostar de jogar.

A partir destas competições, as/os melhores jogadoras/es dos times campeões se uniram para formar o primeiro time oficial da UFMG Esports. No mesmo ano, a equipe participou de sua primeira competição nacional, a Liga Universitária de Esports (LUE), que reuniu 16 times de diversas universidades do país. O resultado? A UFMG Esports foi campeã nacional de League of Legends em 2016.

O reconhecimento foi o ponto de virada. Em 2017, o grupo se consolidou oficialmente como atlética e adotou o nome UFMG Fênix Esports, tornando-se uma das primeiras atléticas universitárias de e-sports do Brasil. Ao se transformar em atlética, a equipe se estruturou em diretorias, definiu uma identidade visual e oficializou sua mascote: a Fênix, símbolo de renascimento e superação.

Fonte: Arquivo pessoal/ Fênix.

A escolha da mascote, a ave Fênix, se inspira na expressão latina “incipit vita nova” (uma nova vida se inicia), lema da Universidade Federal de Minas Gerais, mas também para ilustrar a força do grupo: 

“A gente queria algo que representasse que, mesmo com todas as dificuldades, sempre ressurgiríamos mais fortes”, explica Tainá Goulart, atual diretora de Relações Externas da Fênix.

O nome já causou algumas dúvidas no campus, visto que a ave é também o mascote da Atlética Acadêmica da Saúde, além de nomear a equipe de foguetes e estudos astronáuticos da UFMG. Mas para que fique claro: a Atlética UFMG Fênix Esports não possui vínculos com esses projetos, sequer possui vínculo com um departamento específico.  

Estrutura e modalidades

Originalmente focada em League of Legends, o time se expandiu e hoje compete em mais de 10 jogos diferentes, representando a universidade em modalidades como:

  • League of Legends  – times Red (misto), Black (masculino) e o Feminino
  • Valorant (Red e Black)
  • CS2 (Red e Black)
  • Rocket League
  • Rainbow Six
  • FIFA
  • Teamfight Tactics (TFT)
  • Marvel Rivals
  • Wild Rift e 
  • Genshin Impact

Além disso, há grupos casuais de jogos mobile que não são oficiais e que ajudam a expandir o alcance da atlética. 

Atualmente, a Fênix conta com quase 200 membros ativos, entre jogadoras/es, diretoras/es, staff, suporte e streamers. Além de uma comunidade online de mais de 1.200 pessoas em seu servidor no Discord. “É só entrar que sempre tem gente jogando, conversando ou organizando campeonato”, relata Tainá.

Já a estrutura administrativa é organizada em três diretorias principais: a criativa, que cuida de design, redes sociais, programação e arte; a de Modalidades, que gerencia os times e representantes de cada jogo; e a de Relações Externas, responsável pela comunicação institucional e parcerias.

A Fênix funciona totalmente online, sem sede física dentro da universidade.

“A gente não tem um lugar fixo na UFMG, porque tudo da Fênix é online. Então, para a gente também não compensa ter um pontinho físico dentro da universidade igual as outras atléticas. Até porque, como nossos campeonatos são online, a gente depende da internet”, explica Goulart.

Ainda assim, a atlética promove encontros presenciais, como piqueniques, para fortalecer a união entre integrantes.

Dificuldades enfrentadas pela Atlética

Mesmo com uma trajetória sólida e reconhecimento dentro do cenário universitário, a Fênix enfrenta desafios. Diferente das atléticas tradicionais, que conseguem organizar campeonatos de futebol, vôlei ou handebol com relativa facilidade, a UFMG Fênix enfrenta obstáculos particulares no universo dos esportes eletrônicos. A principal dificuldade está na escassez de campeonatos de determinadas modalidades

“Tem alguns jogos que não têm campeonatos, seja no cenário universitário ou profissional. Isso é geral”, conta a presidenta. 

O caso do jogo Overwatch é emblemático: mesmo contando com um dos melhores jogadores do país na modalidade, Gabriel Liberato, que chegou a figurar na 314ª posição no ranking de toda a América, a equipe permanece sem competições para disputar. A ausência de torneios externos faz com que a atlética precise se reinventar para continuar ativa. “A gente depende de outros para realizar alguma coisa”, completa ela.

Enquanto outras atléticas contam com produtos próprios, campeonatos regulares e recursos para apoiar seus atletas, a Fênix precisa se reinventar a cada semestre. “A gente tenta buscar condições dentro da nossa realidade. A Fênix não tem as mesmas condições que as outras atléticas”, explica Tainá. Grande parte do que mantém a organização viva vem da união das/os próprias/os estudantes e ex-integrantes, os famosos “aposentados”, que continuam contribuindo mesmo após deixarem a equipe oficialmente. 

Mas não se engane, há como obter produtos da Fênix. De tempos em tempos, eles realizam os “pedidões”, onde há a possibilidade de encomendar camisas personalizadas com a identidade da Atlética. No entanto, Tainá deixa claro que o lucro raramente é revertido em caixa, já que a prioridade é oferecer itens de qualidade acessível à comunidade. Quando há sobras ou doações, o dinheiro é direcionado para ações internas, como pequenos eventos ou melhorias para as/os atletas.

O espírito coletivo também se reflete nas atitudes da/os jogadoras/es, que frequentemente devolvem à Fênix parte das premiações conquistadas em competições. “Eles veem a nossa luta, a nossa peleja, bem mineira essa palavra (risos), pra fazer a atlética funcionar, pra ela não acabar. Então eles mesmos ajudam”, relata.

O papel das Atléticas de esports no ambiente universitário

Para Tainá, a atlética representou mais do que uma oportunidade para competir: foi um espaço de acolhimento e aceitação.

“Eu sou muito antissocial. Nunca gostei muito de sair, não sou aquela pessoa que gosta de festa, não sou aquela pessoa que vai estar presencialmente em algum lugar. E a Fênix me aceitou do jeitinho que eu sou”, afirma Tainá.

A experiência de Tainá reflete exatamente o papel que, segundo Júlia Lanna, 22 anos, estudante de jornalismo e fundadora da Herdeiras da Tradição (HDT), a maior torcida organizada feminina de esports do Brasil, desempenha na vida universitária.

“As atléticas têm um papel muito importante, seja nos esportes tradicionais ou eletrônicos. Elas criam um senso de comunidade, aproximam pessoas com gostos parecidos e tornam o ambiente universitário mais acolhedor”, afirma.

Para Lanna, esse acolhimento é ainda mais relevante no universo dos esports, um nicho frequentemente visto como uma bolha. “No caso dos esports, é ainda mais relevante, porque esse nicho costuma ser visto como uma bolha. Criar esses espaços é uma forma de expressão e de conexão entre estudantes que compartilham as mesmas paixões”, completa.

A partir dessas experiências de acolhimento e pertencimento, fica evidente que o papel das atléticas vai além da prática esportiva: elas também funcionam como espaços de transformação social. No caso da Fênix, essa dimensão ganha ainda mais força por meio da liderança e da representatividade feminina, que moldam a identidade da atlética e ampliam seu compromisso com a inclusão e a diversidade. 

A Fênix foi criada por uma uma mulher e continua sendo um espaço onde a liderança feminina é forte. Desde a fundação por Luísa, passando por diretorias inteiras compostas por mulheres, a atlética se destaca pela presença de gestoras, atletas e criadoras que ocupam espaços historicamente marcados pela desigualdade de gênero.

“No início do ano passado, tivemos uma diretoria 100% feminina”, lembra Tainá Goulart. “A Fênix sempre foi um espaço que acolhe todo mundo: mulheres e homens cis, pessoas trans, pessoas com deficiência”.

O protagonismo feminino dentro da atlética é tão forte que virou até motivo de brincadeira entre os próprios membros. “Os meninos sempre falam que são as mulheres que mandam na Fênix”, conta Goulart, rindo. 

A atlética também promove iniciativas de acessibilidade, como a criação de conteúdos e jogos adaptados para pessoas dentro do espectro autista, reforçando seu compromisso com a inclusão. “Queremos que todos se sintam parte. Se alguém tem alguma limitação, a gente pergunta o que pode ser feito para melhorar a experiência dela dentro da Fênix”, explica.

Essa postura é algo que, para Júlia Lanna, também se reflete no ambiente das torcidas e das comunidades gamers. “É essencial que mulheres ocupem cargos de destaque. Ainda há muito preconceito, e essas presenças ajudam a abrir portas e inspirar outras meninas a fazerem parte”, defende.

Segundo ela, ampliar a diversidade é uma forma de tornar o cenário, seja ele profissional ou universitário, mais saudável e representativo. “Tudo é político, inclusive os jogos. Ter mulheres e outras minorias nesses espaços é o que garante que as pautas de igualdade e respeito sejam levantadas”, pontua.

Integrantes de destaque

A Fênix acumula uma trajetória de conquistas e participações em eventos relevantes do cenário universitário e nacional. Um dos títulos mais marcantes continua sendo o de campeã nacional de League of Legends na LUE em 2016, mas o grupo também soma participações em outros torneios como o Desafio Brasileiro de Esports, a Copa Inter Atlética (CIA) e o Jogos Universitários Mineiros (JUMs). 

Atualmente, os times mais fortes são os de CS2, Valorant e LoL feminino. Entre os nomes de destaque está Pandora, atleta do time feminino de LoL, que se tornou uma das jogadoras mais respeitadas do circuito. “Ela é extremamente inteligente e talentosa. É um orgulho para a gente”, comenta Tainá.

A Fênix também já disputou campeonatos femininos de esports com outras organizações, como a própria Herdeiras da Tradição. “Já jogamos contra a UFMG Fênix em um campeonato feminino de LoL”, recorda Júlia Lanna. “Foi incrível ver como as duas comunidades se conectaram de forma saudável e competitiva. As meninas realmente vestem a camisa”.

Mas, para além disso, o ambiente da Fênix estimula o desenvolvimento de habilidades técnicas, criativas e organizacionais, que vão desde design e programação à gestão de equipes e eventos, que extrapolam o universo dos games e se conectam ao mercado de trabalho real. Entre os exemplos de sucesso está Prisca (@woahprisca), que começou como integrante do setor criativo da Fênix e hoje é uma streamer conhecida no cenário nacional – sua conta no Tiktok conta com quase 100 mil seguidores. Assim como ela,  Jefferson Leal (@dentistacolorido), estudante de odontologia da UFMG, conhecido nas redes como o “dentista colorido”, também fez parte da Fênix antes de consolidar sua presença como influenciador. 

Rivalidades

A Fênix mantém boas relações com outras atléticas e torcidas. “A gente não tem rivalidades. Pelo contrário, ajudamos outras atléticas a estruturarem seus próprios times de esports”, afirma Tainá. Ela conta que constantemente recebe mensagens de universitários pedindo orientação sobre como começar. “A última foi de uma atlética da UEMG que pediu para usar nossa estrutura como exemplo. É uma forma de fortalecer o cenário”.

Apesar da boa convivência com as demais atléticas, a Fênix sente falta de estar mais inserida no cotidiano universitário. Por se tratar de uma atlética de esports, cuja atuação é totalmente online, muitas vezes o grupo acaba ficando à margem das atividades presenciais promovidas por outras organizações.

“Às vezes parece que a gente fica alheia ao que acontece na UFMG, mas a gente sabe que isso não é culpa das outras atléticas. É só porque o nosso universo é diferente”, explica Tainá. 

Sem times de futebol, vôlei ou modalidades tradicionais, a Fênix participa das reuniões e da Liga das Atléticas da UFMG (LAU), mas nem sempre consegue estar presente nos mesmos eventos. Ainda assim, o desejo de integração permanece forte: “A gente sente falta disso, de estar mais junto, de compartilhar mais momentos presenciais.”

Tradições

Além da competição, a Fênix é conhecida pelo forte vínculo afetivo entre seus membros.  Tainá conta que um dos encontros presenciais mais tradicionais é o aniversário de Shun, ex-diretor e um dos fundadores, comemorado todos os anos com a presença de antigos e novos integrantes. “Onde um vai, todos vão. A gente é uma família”, resume Tainá.

Fonte: Arquivo pessoal/ Fênix.

Para Júlia Lanna, essa sensação de pertencimento é o que mais aproxima as torcidas e as atléticas de esports. “Ambas constroem identidade por meio da coletividade. É sobre encontrar pessoas que compartilham o mesmo amor e lutar juntas por algo em comum”, explica. “Na HDT, é o time (PaiN Gaming); na Fênix, é a universidade. Em ambos os casos, as pessoas vestem a camisa e criam laços muito fortes”.

Mais do que uma atlética, a Fênix se tornou um ponto de acolhimento. O ambiente digital da atlética acolhe quem não se identifica com os esportes tradicionais, mas quer fazer parte de algo coletivo. “Tem muita gente que fala: ‘não gosto de futebol, não sei jogar vôlei, mas quero participar de uma atlética’”, conta Tainá. No servidor do Discord, esse sentimento ganha forma, nas salas abertas os integrantes conversam sobre tudo, indo desde games a músicas e até relacionamentos. “Outro dia entrei lá e estava tocando Evidências, enquanto um pessoal falava de namoro”, brinca. É nesse clima que a Fênix se tornou um espaço de convivência, amizade e pertencimento para um perfil diferente de universitários.

Esse impacto, segundo Júlia, é o que faz o trabalho das atléticas ser tão essencial.

“Dentro da universidade, muita gente vem de longe, está se adaptando e enfrenta desafios. Ter uma comunidade para se apoiar, fazer amizades e se expressar faz toda a diferença”, afirma. 

Como se tornar membro

Para participar da Fênix, é necessário ser estudante da UFMG, ou ter sido, como no caso dos “aposentados”, ex-integrantes que continuam colaborando com a gestão. Existem duas formas principais de participação:

  • Entrar nas comunidades abertas: grupos no Discord e WhatsApp que reúnem centenas de jogadores em interações diárias;
  • Participar das seletivas: processos abertos periodicamente para recrutar novos atletas de alto rendimento.

“As seletivas não acontecem sempre, porque dependem das vagas disponíveis nos times”, explica Tainá. “Mas nossas comunidades são abertas. Qualquer pessoa pode entrar para jogar e conversar”.

Mais de uma década após a ideia de Luísa Bezerra, a UFMG Fênix Esports continua a expandir seus horizontes. Hoje, é símbolo de resistência e acolhimento dentro da universidade.

“A Fênix representa isso: o renascer constante”, diz Tainá. “A gente passa por dificuldades, mas nunca desiste. Sempre volta mais forte”.

Expediente
Redação: Soraia Carvalho
Apuração: Soraia Carvalho
Edição: André Quintão
Coordenação: Ana Carolina Vimieiro

Deixe um comentário