Por Júlia Nacif Rey e Isadora Paes
A CazéTV está trazendo nova cara à transmissão de esportes no Brasil com uma abordagem gratuita e jovem, captando milhões de espectadores e atraindo grandes patrocinadores. Com uma linguagem descontraída e a participação de figuras renomadas, a plataforma ganhou destaque na cobertura das Olimpíadas de Paris 2024. No entanto, suas transmissões também geraram críticas, levantando questões importantes entre o público e a mídia. A Revista Marta preparou um resumo para te ajudar a entender as inovações, as críticas, e o papel da CazéTV no mercado de transmissão esportiva.

Transmissão de eventos esportivos e Cazé TV
A área de entretenimento audiovisual é marcada por constantes mudanças. Do surgimento da televisão à criação de plataformas como Youtube e TikTok e serviços como os da Netflix e Prime Video, as formas de consumir conteúdo são múltiplas. Com o mundo dos esportes, isso não é diferente. Por muito tempo, a transmissão de eventos esportivos oficiais, tais quais Brasileirão, Copa do Mundo e Olimpíadas, eram restritos a canais tradicionais de televisão, em especial à Globo.
As mudanças na forma de consumir televisão e entretenimento abriram caminho para o surgimento de novos modos de trazer informação, diversão e interação com o público, entre eles, um que vem dando o que falar: a CazéTV. Criada em 2022 como uma parceria entre o streamer Casimiro Miguel e a agência de marketing Livemode, o canal, que marca presença no Youtube e na Twich, iniciou suas atividades através da cobertura da Copa do Mundo do Catar. Desde então, a CazéTV acompanhou importantes competições, como a Copa do Mundo Feminina de 2023, o Mundial de Ginástica, os Jogos Pan Americanos e, mais recentemente, as Olimpíadas de Paris.
No caso dos Jogos Olímpicos, o Grupo Globo detinha a exclusividade de transmissão até 2032, mas renegociou esse termo no final do ano passado a fim de cortar custos. Com essa alteração legal, a CazéTV demonstrou interesse na cobertura do torneio e contatou o Comitê Olímpico Internacional, o COI, para adquirir os direitos da transmissão digital. Para esse projeto, o canal montou uma equipe extensa e contou com programação ao vivo, transmissão de modalidades variadas, correspondentes em Paris e entrevistas com atletas.
Uma nova fórmula de transmissões esportivas
Apostando em um formato acessível, com transmissões gratuitas e uma linguagem que se conecta diretamente com o público jovem, a emissora vem registrando um crescimento expressivo em sua audiência e impacto nas redes sociais. Um dos diferenciais da CazéTV é o acesso irrestrito ao conteúdo. Diferente dos tradicionais canais de esportes, que geralmente exigem assinaturas ou pacotes pagos, a Cazé TV disponibiliza suas transmissões de forma gratuita (com exceção dos jogos do Campeonato Brasileiro) pelo YouTube e Twitch. As plataformas permitem que os espectadores assistam às competições ao vivo, com comentários e análises em tempo real, criando uma comunidade ampla, engajada e ativa.
Nos primeiros dias das Olimpíadas, o canal alcançou mais de 20 milhões de espectadores, estabelecendo um novo recorde para transmissões online no Brasil. Esse feito é ainda mais notável quando comparado à Globo, emissora de tradição e com grande público fiel, que transmitiu os jogos em canal aberto e conquistou 36,4 milhões de telespectadores.
No balanço final de audiência do evento, a Globo impactou 140,4 milhões de pessoas com suas transmissões olímpicas em TV aberta, TV paga, streaming e plataformas digitais. Em comparação, a CazéTV alcançou 41 milhões de dispositivos com suas transmissões e conteúdos dos Jogos, e sua cobertura, incluindo TikTok, onde acumulou 5 bilhões de visualizações. O canal se destacou em audiência, rivalizando com veículos tradicionais e mostrando a força de um novo modelo de cobertura esportiva, que alia o acesso gratuito, por meio da internet, a inovação e a firme conexão, incomum no mercado, com o público jovem.
Esse desempenho não passou despercebido pelos patrocinadores, que têm se mostrado cada vez mais interessados em associar suas marcas a esse formato de cobertura esportiva. Grandes empresas como Nike, Volkswagen, Hellmann’s, Samsung, Ifood e Zé Delivery firmaram parcerias com a CazéTV, garantindo à emissora uma robusta estrutura financeira para continuar expandindo sua atuação.
Influenciadores digitais e o papel da descontração
Além do acesso gratuito, a CazéTV se destaca pela linguagem jovem e descontraída. Casimiro, conhecido por seu carisma e espontaneidade, conseguiu criar um ambiente em que os espectadores, apresentadores, narradores, convidados e atletas sentem-se à vontade para se expressar de uma forma mais simples, no caso de narradores e apresentadores, e mais livre, no caso de atletas e convidados. Essa abordagem tem atraído especialmente os millennials e a Geração Z, grupos que costumam se identificar com um estilo de comunicação mais próximo e informal.
Outro fator que contribui para o sucesso da CazéTV são os nomes de peso que compõem a equipe de cobertura. A emissora conta com a presença de figuras renomadas do jornalismo esportivo, como Fernanda Gentil, que já comandou o Esporte Espetacular na Globo, e Rômulo Mendonça, ex-ESPN, que trazem experiência e credibilidade à transmissão. Além disso, conta com grandes nomes do esporte, como o ex-jogador de vôlei Serginho Escadinha e a ex-ginasta Lais Souza, além de personalidades do entretenimento, como o humorista Diogo Defante e o surfista Pedro Scooby.
CazéTV e a relação com os atletas
Leveza semelhante é observada também entre os atletas, em especial os mais jovens, que se mostraram mais confortáveis e despojados em entrevistas concedidas a representantes da CazéTV, devido ao teor informal e brincalhão do canal. Exemplo desses momentos de descontração foi o encontro promovido pela CazéTV entre as medalhistas olímpicas de vôlei Thaísa e Roberta e o famoso personagem Cadu, interpretado pela comediante Lara Santana e responsável por gerar bastante repercussão nas redes sociais com sua presença fervorosa nos Jogos de Paris. Esse tipo de movimentação possibilita que o canal converse com assuntos quentes das plataformas digitais e que se conecte com os atletas de forma mais íntima, expondo para o público um lado descontraído pouco mostrado dos esportistas.
Outro importante ponto de conexão com os atletas foi o uso massivo pela CazéTV de redes sociais, em especial Instagram e Tiktok. Com inúmeras postagens diárias e interações com seguidores, a CazéTV fez constante uso da marcação dos perfis dos atletas em suas publicações e puxou mutirões ao longo da competição para atrair seguidores para as personalidades olímpicas, como forma de reconhecer e valorizar os competidores brasileiros. A forte presença nas redes sociais foi um dos pontos altos da interação com os esportistas e do sucesso da campanha de transmissão dos Jogos.
Crédito: Divulgação/ mktesportivo
Polêmicas: o limite entre brincadeiras e desrespeitos
Nem tudo são flores. Apesar da grande repercussão, a CazéTV também se envolveu em polêmicas que marcam sua recente história enquanto canal de transmissão esportiva. O linguajar informal e o tom trazidos ao longo da programação rendeu para o canal acusações de falta de profissionalismo e desrespeito com os atletas.
Nas Olimpíadas, duas situações envolvendo a empresa tomaram conta das redes sociais. Logo no início dos Jogos, durante a transmissão da abertura, a influenciadora Nathaly Dias questionou Adenízia, medalhista de ouro nas Olimpíadas de 2012 na modalidade vôlei, sobre o possível desentendimento que haveria acontecido entre Gabi Guimarães, capitã e astro do time de vôlei, e a ex-jogadora Sheilla. Pouco antes do início dos Jogos, saiu na mídia a notícia de que o casal formado pelas duas jogadoras havia se separado de forma turbulenta, o que gerou comoção entre os amantes do esporte. Questionada sobre o ocorrido, Adenízia se mostrou visivelmente incomodada com a abordagem da vida pessoal das companheiras e um clima de constrangimento marcou esse momento da transmissão.
Semanas depois, outra polêmica voltou às transmissões da CazéTV. No dia 6 de agosto, o comentarista Guilherme Beltrão apontou, em um programa ao vivo do canal, que os atletas do nado sincronizado do Brasil não possuíam chances de medalha e que estavam nas Olimpíadas para “se superar e comer gente”. A piada foi muito mal recebida pela comunidade esportiva e pelo público em geral e levou a um pronunciamento da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA), que repudiou a fala do jornalista.
Não é a primeira vez que a CazéTV se envolve em polêmicas. Na transmissão da Copa do Mundo Feminina, em julho de 2023, o canal recebeu críticas com relação ao time selecionado para a cobertura do evento. Apesar de uma presença significativa de mulheres na equipe, a falta de diversidade racial gerou incômodo. Entre 21 comentadores, narradores e repórteres selecionados para a transmissão, havia apenas uma pessoa negra.
Polêmicas como essas fragilizam a imagem da CazéTV frente ao mundo jornalístico e reforçam o questionamento de uma parcela do público e do mercado que contestam a forma da empresa de gerar conteúdos e de trabalhar a comunicação esportiva. As situações descritas movimentam as discussões sobre os limites de uma transmissão leve e informal e o uso de uma comunicação não adequada no contexto da transmissão profissional de eventos esportivos, bem como a importância de uma maior conscientização social por parte da empresa.
Inconsistências de informação
Outro ponto que alarmou comunicadores e pesquisadores da área foi a inconsistência em momentos da cobertura e a fragilidade técnica em comentários de algumas modalidades. A exemplo disso, logo antes do início das Olimpíadas de Paris, o perfil oficial da CazéTV no Instagram publicou uma postagem errônea sobre os medalhistas de ouro no vôlei nas cinco últimas edições da competição. O canal trocou os países ganhadores nas modalidades feminina e masculina e acabou por passar uma informação não verídica ao público.
Situações de incerteza na passagem de informações voltaram a acontecer durante a transmissão dos Jogos de Paris, como no episódio da desclassificação do judoca brasileiro Rafael Macedo. No momento, os comentaristas e narradores da CazéTV informaram ao público a necessidade de conferência do ocorrido uma vez que os profissionais presentes na transmissão não haviam chegado a um entendimento sobre o veredito do juiz.
Como ficam as transmissões tradicionais?
O sucesso do modelo de transmissão da CazéTV gerou dúvidas quanto ao destino das transmissões tradicionais que, apesar de consolidadas, são pagas e restritas a uma linguagem que não se conecta diretamente com a nova geração. Segundo o professor Anderson Santos, da Universidade Federal de Alagoas, o panorama das transmissões esportivas no Brasil está em transformação, mas não de forma tão radical quanto muitos acreditam. Ele observa que grandes grupos como a Globo, principal força no mercado de comunicação, estão mudando suas estratégias, evitando grandes gastos para garantir exclusividade em torneios esportivos, embora continuem transmitindo os principais eventos.
“É nesse vácuo que aparecem velhos agentes, como SBT, Band e Record, e novas plataformas digitais com perfis diversos, como o Prime Vídeo e a própria CazéTV”, explica. Para o professor, “As trajetórias mercadológicas avançam com o aprimoramento tecnológico e os grandes grupos comunicacionais se adaptam para se manter na liderança de determinados processos, mesmo que com mais companhia em disputa real ou aproveitando o vácuo de novas estratégias, caso da CazéTV/LiveMode”.
As transformações tecnológicas abriram espaço para diferentes formas de se passar informação e gerar entretenimento e, como parte desse meio, o mundo dos esportes não escapou das mudanças sofridas pela comunicação. O que é importante lembrar é que o surgimento de novas modalidades de transmissão de informação não implica no fim das anteriores, como bem vimos com o uso do rádio e o surgimento da televisão, no início do século XX. A previsão é que, daqui para frente, seja observada uma coexistência cada vez mais intensa entre emissoras tradicionais e canais como a CazéTV, que vem aos poucos se consolidando como uma gigante das transmissões esportivas.
