Fazendo história: Ícaro Miguel do taekwondo conta como foi criar projeto social na cidade em que cresceu

Na briga pela vaga em Paris 2024, o primeiro brasileiro a liderar o ranking mundial do esporte abriu as portas do instituto que leva o seu nome para a Revista Marta e falou sobre a maior realização que o esporte lhe proporcionou

Ícaro Miguel Martins Soares é o nome de referência no taekwondo brasileiro atual. O lutador foi o primeiro em muitas conquistas. Primeiro brasileiro a liderar o ranking mundial do esporte – meta alcançada em 2020. Também foi o primeiro latino-americano a permanecer tanto tempo na colocação, já que foram três anos como melhor do mundo até a saída em meados de 2023. E também foi o primeiro homem brasileiro a conquistar uma medalha de prata em um campeonato mundial, tarefa obtida em conjunto com a colega de equipe, Caroline Santos*.

É muito pioneirismo e este sempre foi o sonho de Ícaro: ser o melhor. Mas, dentre esses sonhos, um se estendeu para além dele. 

“É a coisa que eu faço que eu me sinto mais realizado na minha vida.”

Instituto Ícaro Miguel

Criado no dia 17 de julho de 2021, o Instituto Ícaro Miguel é, segundo as palavras do próprio idealizador e homenageado, “uma ferramenta de promoção de oportunidades”. O projeto social existe em Juatuba (MG), cidade onde o lutador cresceu e passou boa parte de sua infância e juventude. Localizado no bairro de Francelinos, bem próximo ao acesso à BR-262, na entrada do município, ele acolhe cerca de 100 crianças e jovens da comunidade e oferece aulas regulares de taekwondo.

Mesmo residindo em São Caetano do Sul (SP), onde treina, Ícaro junto dos demais criadores do Instituto administram uma sala pequena que conta com um tatame pouco menor que o de um ringue oficial de luta (que é feito para dois competidores usarem por vez), o que não impede que todos os alunos caibam no local durante um dia de treinos.

Porém, não é apenas ao esporte que o espaço se limita. O Instituto já ofertou aulas de reforço para os alunos. Português e matemática para quem quisesse melhorar na escola e existe até um plano do idealizador em proporcionar aulas de inglês. Entretanto, por depender de professores voluntários, as aulas não estão acontecendo.

Início de tudo

Mesmo sendo lançado em meados de 2021, a sede do instituto, em Juatuba, ainda estava longe de ser realidade. Para chamar a atenção da população, academias da modalidade, alunos, incentivadores e parceiros, Ícaro e os demais idealizadores decidiram realizar uma “Imersão Pró Taekwondo”. O evento realizado no final de semana dos dias 11 e 12 de dezembro daquele mesmo ano, em Betim (MG), reuniu vários profissionais relacionados ao esporte, efetuando uma espécie de congresso. Estiveram presentes figuras importantes do cenário do taekwondo nacional, como os treinadores da seleção brasileira e da maior equipe do Brasil, 2 Brothers Team (qual Ícaro faz parte), Clayton e Reginaldo; os ex-atletas Brunna Idak e Guilherme Felix; além de outras figuras importantes como o médico do esporte Cláudio de Melo e a coach esportiva Nell Salgado.

Foi durante o evento que o Instituto Ícaro Miguel foi apresentado ao público pela primeira vez.

De casa pronta

A inauguração oficial da primeira sede veio depois de conseguir os incentivos necessários e, no dia 24 de julho de 2022, a sede de Francelinos abriu as portas para os alunos do projeto.

Neste dia, a festividade foi diferente. Nada de cursos, treinamentos e aulas. Uma rua de lazer chamou as crianças e a comunidade para o espaço. Com direito a pula-pula, mesa de totó, e até o mascote do Clube Atlético Mineiro, o Galo Doido, todos os presentes tiveram o primeiro contato com a academia.

As aulas começaram em agosto de 2022 e todos os alunos matriculados eram iniciantes. Mesmo assim, após pouco mais de um ano de prática, alguns já trocaram de faixa e estão participando de campeonatos, representando o Instituto.

Ícaro Miguel 

Nascido no dia 29 de abril de 1995, em Belo Horizonte (MG), o atual favorito do taekwondo brasileiro costuma ser um símbolo de superação dentro do esporte por dois motivos. O primeiro é pelo fato da pouca visão no olho direito que costuma ser manchete e destaque quando se fala do atleta, já que ele luta na categoria convencional. Como ele mesmo relatou de maneira informal e descontraída, o que acontece geralmente em entrevistas e reportagens é que “as pessoas só querem saber porque eu sou cego”.

Mas muito além da sua peculiaridade no olho que apareceu após um acidente doméstico, quem conhece o atleta sabe que o lutador é um exemplo de perseverança e determinação.

“Eu nunca fui o atleta mais talentoso. Meu talento, sei lá, de 0 a 10 é 7. Padrão. Não era aquele molequinho que se destacava no meio da turma, mas o tempo todo o que fez a diferença foi a minha cabeça. O tempo todo eu fui o cara que mais quis ter o resultado”, afirmou o lutador em depoimento ao podcast Forjando Resultados.

O surgimento de um ídolo

“Eu iniciei o ano de 2018 em 56º do ranking mundial. No final de 2018 eu era o 11º. Em um período de um ano e meio eu sai de um cara que não era cogitado para estar nas olimpíadas, fiz um rebuliço e conquistei a minha vaga”, disse no Bora Podcast.

Ícaro começou no taekwondo aos oito anos de idade, por influência dos pais que já haviam praticado a modalidade. O garoto travesso foi tomando gosto pela luta e aos 12 anos conquistou a faixa preta junto do primeiro mestre, o atual grão-mestre Abel Martins. Pouco tempo depois, aos 14 anos de idade, Ícaro já era integrante da seleção mineira júnior.

O primeiro ano na seleção mineira e competindo a nível nacional não foi um dos melhores para o jovem, mas os resultados começaram a surgir nos anos seguintes. Ele foi campeão mineiro, brasileiro, e chegou a integrar a seleção nacional em 2012, quando participou de um campeonato mundial no Egito.

O início da fase adulta no esporte também não foi muito bom. Saindo da equipe Sesi-Betim (onde treinava desde os 15 anos) com 19 anos, o lutador foi integrar a equipe 2 Brothers Team, em São Caetano do Sul (SP). Ícaro ficou mais de dois anos sem resultados expressivos e só foi conquistar grandes competições em 2016, quando foi campeão Brasileiro nas categorias sub 21 e adulto (principal).

Ascensão

Reintegrando a seleção brasileira em 2017, Ícaro se manteve em uma crescente e conseguiu dar o primeiro passo para “fazer história”. No mundial de 2019, em Manchester, no Reino Unido, ele conquistou a inédita medalha de prata para si e para o Brasil.

Logo depois, as conquistas se mantiveram. O atleta foi prata nos Jogos Pan-Americanos de Lima 2019, campeão dos Jogos Sul-Americanos de Assunção em 2022 e se manteve como líder no ranking mundial da categoria por três anos.

Ícaro também teve participação nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2021, entretanto foi derrotado por nocaute na primeira luta.

“Eu cheguei na Olimpíada com uma certeza tão grande que eu teria um bom resultado e aí na minha primeira luta eu vou lá e tomo o pé na cara, começo a sangrar e enfim, nocaute. Hoje eu tenho tranquilidade para falar sobre isso, mas era uma situação, assim, que eu não me via fora do pódio. Não por desmerecer os meus adversários, mas porque eu sei quem eu sou. Eu sei o taekwondo que eu tenho. Eu sei o que eu apresento.”

Mesmo diante deste resultado nada esperado, o atleta segue firme nos treinamentos e competições. A conquista mais recente é o ouro no President’s Cup, campeonato que soma pontos para o ranking internacional.

“Olimpíada, para mim, foi um mix de emoções. Foi uma parada de aprendizagem gigantesca. Acho que foi o período da minha vida que eu mais aprendi. Porque, eu aprendi a me tornar um pouco mais vulnerável, sabe?! Eu aprendi a ter coragem de falar que tenho medo.”

Atualmente, Ícaro busca uma vaga nos Jogos de Paris 2024.

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*Mais conhecida no esporte como Juma, Caroline Santos já quebrou o feito de 2019. Hoje ela é a primeira e única campeã mundial adulto do esporte.