Por Janaína Barbosa e Samuel Vieira

Nascidas no dia 07 de maio de 1998, na cidade de Maringá no Paraná, Débora Borges Carneiro e Beatriz Borges Carneiro tem uma história de sucesso na natação paralímpica brasileira. As duas começaram a apresentar os primeiros sinais de atrasos na intelectualidade quando ainda na infância, aos 5 anos, e quando fizeram 12 anos tiveram o diagnóstico definitivo da deficiência intelectual.
Elas lidam com muita naturalidade diante do assunto e dão um exemplo de superação. “A gente tem alguma dificuldade para lembrar dos comandos, mas levamos isso na brincadeira. Por exemplo, o técnico fala uma série de comandos e eu já respondo brincando: repete, fala de novo que eu não entendi!”, comenta Beatriz.
A ligação com as piscinas começou muito cedo. O pai das atletas, Eraldo Volpato Carneiro, que também gerencia a carreira esportiva das filhas, explicou que, a princípio, a ideia era cuidar da segurança das atletas, já que ele morava numa casa com piscina.
“Eu coloquei elas para aprender a nadar por uma questão de sobrevivência porque eu moro numa casa que tem piscina. Assim que elas tiveram idade eu coloquei para aprender, para não correr o risco de que elas morressem afogadas na minha piscina”, comentou.
eraldo carneiro, pai das atletas e responsável pelo gerenciamento da carreira delas
Já o caminho para que a brincadeira de criança se transformasse em carreira esportiva veio quando as gêmeas estavam com aproximadamente 12 anos: “Elas tinham 11 anos de idade quando a mãe delas faleceu e eu precisava achar alguma coisa que elas se ocupassem enquanto eu trabalhava. A escola que elas estudavam tinha uma parceria com uma academia e me ofereceram a opção da natação. Logo no início, as professoras perceberam que elas nadavam muito bem, com desempenho melhor que os outros alunos da academia. Foi ali que começou a despertar esse interesse pelas competições”, conta Eraldo.
Quando perguntadas sobre o que o esporte significa na vida delas, Débora e Beatriz demonstraram muito entusiasmo e gratidão.
“Na minha cabeça, não fui eu quem encontrei o esporte, foi o esporte que me encontrou. Porque eu sempre quis nadar, eu sempre amei água desde a barriga da minha mãe. Eu sou apaixonada pelo esporte que eu faço e eu costumo dizer que eu não sei nadar, eu só sei competir. Minha alma é competir”, afirma Beatriz.
beatriz carneiro, nadadora paralímpica
“Tudo que eu tenho hoje, para não desanimar, para não ficar parada, para não ficar doente, o que me fortalece, é a natação”, completa Débora.
débora carneiro, nadadora paralímpica
A deficiência intelectual
O pai das atletas sempre as acompanha de perto. Segundo ele, essa foi uma escolha que fez e não se arrepende pois assim conseguiu apoiar e estar perto de todo o sucesso das filhas. Diante da sua experiência, Eraldo defende a importância do esporte na vida da pessoa com deficiência.
“A gente tem que falar em inclusão, é uma pessoa com deficiência que pratica um esporte para pessoas com deficiência, então elas são estrelas no segmento delas. Elas têm uma inteligência para nadar. Então, é importante destacar que o deficiente intelectual não é desprovido de inteligência, eles têm uma inteligência diferente”, ressalta Eraldo.
eraldo, pai das atletas e responsável pelo gerenciamento da carreira delas
Nem sempre a sociedade está pronta para lidar com a pessoa com deficiência intelectual e por isso Eraldo se mostra ainda mais orgulhoso das conquistas de Beatriz e Débora. “Eu falo, é comum a gente ir a mercados e ver pessoas com deficiência empacotando produtos. Os mercados são lugares que dão espaço para pessoas assim. Então eu sempre falo assim: eu deixei de ter minhas filhas empacotadeiras de mercado para serem campeãs mundiais de natação. Então você me pergunta: valeu a pena? Poxa, nem preciso dizer” comenta o pai das nadadoras.
A carreira
O começo das atletas foi difícil. “Eu fui muito duro no começo. Elas não queriam, no início, porque os treinos são pesados, tem que treinar todo dia, volta cansada, volta esgotada. Então eu tive que insistir até que, aos poucos, elas foram entendendo e assumindo essa condição, reconhecendo que elas estavam fazendo algo importante. Na primeira competição que elas participaram, já foram campeãs brasileiras”, disse Eraldo.

Como atletas paralímpicas, estão inseridas na categoria S-14, SM-14 e SB14 que reúnem somente atletas com Deficiência Intelectual, Síndrome de Down e Autistas. A primeira competição oficial disputada pelas irmãs foi o Torneio Regional de Campo Mourão, em agosto de 2013 e já nesse primeiro ano ficaram em primeiro e segundo lugar no Ranking Nacional.
Em 2015, as gêmeas participaram da primeira competição internacional, Open Internacional Caixa Lotérica e passaram a integrar a lista do ranking mundial de 2015 do comitê paralímpico internacional. Em 2016, as atletas foram pela primeira vez representar a seleção brasileira de natação de jovens.
Ainda em 2016, Beatriz conseguiu índice e qualificação para participar das Paralimpíadas do Rio 2016 nas provas de 200m livre e 100m peito. Na disputa dos 100m peito, Beatriz estabeleceu o recorde Pan-americano da prova. Em seu ano de resultados mais expressivos, Beatriz atingiu o 8º lugar no ranking mundial.
“Em 2016, a Bia foi a única atleta feminina da categoria dela no Brasil (S-14). Ela já conseguiu muitas proezas. Ela foi a primeira atleta no Brasil a disputar uma Paralimpíada na categoria delas. Ela entrou para a história do Brasil na categoria dela. A Bia também foi prata no mundial do México em 2019”, pontuou Eraldo.
“Na hora que eu fui convocada, eu fiquei desacreditada. Até hoje eu tenho a sensação de que estou indo lá de novo, é uma emoção muito grande, quando eu falo disso o coração chega a explodir. É uma emoção que ninguém segura, sabe? Eu nem consigo explicar exatamente”, comentou Beatriz.
Beatriz carneiro, nadadora paraolímpica
Débora, por outro lado, teve uma apendicite e não conseguiu se classificar para os Jogos Paralímpicos do Rio 2016. Segundo o pai das atletas, esse foi um momento difícil para ela. “Isso tirou o foco dela por meses, até anos. Tivemos que contratar psicólogo, fazer um monte de coisa para colocar ela nos trilhos de novo”. Mas hoje, Eraldo considera que Débora deu a volta por cima. “A gente vê alegria nos olhos dela de novo, em poder competir, poder ganhar da irmã. E, inclusive, os índices mais expressivos atuais são dela” , completou.
Débora destacou como um campeonato importante o Parapan de Lima-Peru, em 2019, onde ela foi recordista da prova de 100m peito e ganhou ouro, além da prova disputada no mundial de Londres, também em 2019, onde a atleta ficou com o bronze: “foi um momento marcante para mim e eu sinto adrenalina lembrando dele até hoje”, conta Débora.
A Pandemia de COVID-19
A pandemia de Covid-19 mudou a vida de todas as pessoas ao redor do mundo e foi também a causa do adiamento das Paralimpíadas de Tóquio 2020. Beatriz e Débora estavam se preparando forte para competir nos Jogos e comentaram a decepção e tristeza que sentiram por ter que mudar os planos diante do novo cenário imposto pela pandemia.
“Em 2019, a gente estava se preparando para ir para Tóquio e de repente cancelou. Eu fiquei triste mesmo, fiquei muito desanimada e na hora que falaram isso meu coração se partiu no meio, veio uma tristeza profunda, parecia que a minha esperança tinha acabado, mas estou lutando para me reerguer e me sentir forte”, comenta Beatriz.
“A gente está se adaptando aos novos desafios e a gente tem que ir se acostumando cada dia mais e sofrer menos porque Tóquio está aí, e se Deus quiser a gente vai conseguir ir. Mas assim, está muito difícil acreditar no que vai acontecer daqui para frente, a gente acaba ficando muito para baixo”, disse Débora.
O pai das atletas explicou que o ano de 2020 foi muito complicado, mas ainda assim as filhas conseguiram manter um bom ritmo de treino, alimentação e peso equilibrados. “A gente teve que tomar muito cuidado, mas a gente conseguiu assim, com algum jeitinho, espaço para treinar. Competições não houve mesmo, mas elas fizeram muitos treinos físicos, inclusive virtuais durante o período de isolamento máximo”, comentou.
Apesar do momento difícil que a pandemia atravessa, Eraldo se mostra otimista em relação a realização dos Jogos Paralímpicos de Tóquio, além de confiante da presença das gêmeas na competição. “Como os Jogos Olímpicos ainda estão confirmados, com público ou sem público, acredito que o evento vai acontecer. O esporte não vai parar. Por isso eu falo para elas: continuem treinando, o importante é manter o foco nos treinos, na nutrição, na cabeça, que Tóquio será uma consequência”.
Nenhum pensamento