por Wander Soares
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“Nós, atletas, ex-atletas e profissionais ligados ao esporte, cidadãos brasileiros antes de tudo, afinados com o pensamento de diversas categorias e nos juntando às vozes que pactuam com a democracia, os direitos humanos e civis, respeito à vida e à diversidade, estamos aqui unidos em nome daquilo que sempre acreditamos e praticamos em nossas profissões e deve se estender sem restrições ao exercício cotidiano: o direito supremo à vida e a uma sociedade justa, igualitária e ANTIRRACISTA, o respeito das individualidades e o valor do coletivo em nome do bem-estar e da dignidade para todos”.
Embrionado no dia 19 de maio de 2020, a partir de uma ligação telefônica do comentarista e ex-jogador de futebol Walter Casagrande para a ex-jogadora de voleibol Isabel Salgado, o Movimento Esporte pela Democracia começava a se concretizar.
Amigos de longa data, Casagrande e Isabel discutiram o cenário político, econômico e social do país. Muito abalados pela morte violenta do menino João Pedro de Mattos, de 14 anos, que havia sido assassinado, no dia anterior, em decorrência de ação desastrada – e desastrosa – das Polícias Federal, Civil e Militar, que faziam uma operação conjunta, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro, com o objetivo de prender líderes criminosos, Isabel e Casagrande chegam à conclusão de que a classe esportiva precisava se unir a fim de fazer alguma coisa para denunciar o que lhes pareciam um estado de decadência da democracia brasileira.
Poucas semanas após o assassinato de João Pedro, outro negro havia sido morto em razão da violência policial, dessa vez, nos EUA: George Floyd.
A morte violenta de George Floyd, naquele 25 de maio, serviu de estopim para que gigantescos e duradouros protestos, durante a pandemia da COVID-19, ocorressem em todo território americano, de leste à oeste, sendo o pioneiro entre eles a acontecer no próprio estado do Minnesota, em Mineápolis, onde Floyd foi morto.
Em 25 de maio daquele mesmo ano, George Floyd, homem negro de 46 anos de idade, foi asfixiado até a morte por um policial branco, que ajoelhou sobre o seu pescoço por cerca de oito minutos e meio. O motivo alegado pela polícia para que Floyd tivesse sido abordado com tamanha brutalidade? Uma suposta nota falsa de 20 dólares que Floyd havia usado em um supermercado.
Os protestos que, inicialmente, exigiam das autoridades competentes a devida apuração do ocorrido e a punição dos policiais envolvidos no assassinato de Floyd, logo ganharam novas extensões, se ressignificando em manifestações – algumas bastante violentas – contra o racismo estrutural na sociedade americana.
Dias se passaram e tais manifestações antirracistas atravessaram o Atlântico, alcançando a Europa. Aqui no Brasil, também houve reverberação. Aconteceram alguns poucos protestos que denunciavam o racismo, mas, nem de longe, com o mesmo engajamento e os mesmos números de participantes observados em protestos no hemisfério norte.
É a partir desse contexto social tempestuoso de combate e questionamento do racismo nas ruas que o “Esporte pela Democracia” começa a ganhar um propósito mais definido e tem na adesão de novos integrantes, atletas e ex-atletas, uma ferramenta para alcançar uma melhor representatividade de sua pauta na esfera pública.
Em 04 de junho de 2020, perfis do movimento são criados no Twitter, Facebook e Instagram, sendo a primeira publicação nessas redes sociais uma imagem seguida de um link para acesso ao artigo do lutador de taekwondo, Diogo Silva, através do qual ele questionava: O que é o racismo?
Três dias após a primeira publicação em suas redes sociais, entende-se melhor do que se trata o movimento e qual o seu propósito. É lançado um manifesto, em 07 de junho, assinado por atletas, ex-atletas, artistas, jornalistas, publicitários, dirigentes e demais profissionais do esporte, se comprometendo a lutar a favor de uma sociedade ANTIRRACISTA mais equânime e mais justa, e exigindo das autoridades constituídas, sobretudo do governo central – ainda que em nenhum momento o nome do presidente Jair Bolsonaro fosse explicitamente citado – obediência à Constituição e reverência à democracia, respeito às individualidades e aos direitos das minorias, proteção ao meio ambiente e ações efetivas para o combate da pandemia.
A psicóloga, jornalista e professora Katia Rubio, que também integra o movimento desde o segundo semestre de 2020, diz que “o grupo tem como proposta agrupar pessoas ligadas ao esporte para pensar os caminhos da democracia”.
Katia escreve periodicamente para o jornal Folha de S.Paulo e é docente da Universidade de São Paulo. Na USP, coordena o Grupo de Estudos Olímpicos (GEO).
“O GEO completa vinte anos em 2021 e estamos celebrando com muitas atividades como lançamento de livros e webinários. Nossa proposta de trabalho é estudar o universo olímpico, principalmente do Brasil, tendo como referência central a figura do atleta. Desenvolvemos um método de pesquisa chamado narrativas biográficas e nesses 20 anos de pesquisa entrevistamos mais de 1.300 atletas olímpicos brasileiros. É uma pesquisa única no mundo”.
Segundo Kátia, o momento pelo qual o Brasil passa é muito ruim:
“Vivemos um pesadelo com data marcada. Espero acordar em breve para ajudar a reconstruir tudo aquilo que foi por terra nesses últimos anos. O atual governo age de forma totalitária e ainda não vivemos o totalitarismo em sua essência porque o Estado democrático construído anteriormente tem referências sólidas, embora jovens. Espero que a juventude de nossas instituições se tornem ainda mais maduras depois disso”.
Perguntada se a democracia brasileira está em risco, Katia diz que, sem dúvida, o momento é de risco e que devemos estar vigilantes.
“A democracia é um sistema de governo que presume fala, escuta, respeito a quem ganha e a quem perde. Vivemos um momento em que o perdedor é aniquilado pelo vencedor e não há respeito por regras, nem instituições”.
KÁTia rubio, professora da Usp
O jornalista Breiller Pires, outro integrante do Movimento Esporte pela Democracia, tem opinião semelhante à de Katia Rubio acerca da situação atual do país. Ele explica:
“Do ponto de vista social, é o pior momento vivido pela nossa geração, agravado pela pandemia. Do ponto de vista político, o período mais crítico e perigoso desde a redemocratização. Vemos instituições, do judiciário à boa parte da imprensa, reféns da agenda imposta por um governo de extrema direita, normalizando condutas que jamais deveriam ser aceitas como parte do jogo democrático. Sem contar a oposição desarticulada, que ainda vai levar muito tempo para formar uma liderança inconteste no cenário nacional. Apesar de todos os absurdos protagonizados pelo bolsonarismo nos últimos anos, caminhamos para a eleição sem que haja nem mesmo uma frente mínima de resistência à situação”.
Breiller, nascido em Belo Horizonte, é jornalista do canal ESPN Brasil, no qual participa de vários programas, entre eles o Sportscenter, Futebol na Veia e Linha de Passe. Igualmente questionado sobre o porquê de engrossar o coro do movimento, Breiller diz que assinou o manifesto não só por conhecer e admirar muitos dos signatários, mas também por compartilhar valores pregados pelo grupo e entender a importância de levar o debate político para um setor tão importante na sociedade quanto o esporte.
Para o jovem jornalista da ESPN, a democracia sempre corre risco, pois é feita por humanos que disputam influência e poder.
“O que vivemos atualmente não é muito diferente do que acontece em outras partes do mundo, mas nunca, desde a ditadura militar, as instituições que garantem o funcionamento básico do Estado democrático foram tão atacadas como agora, sobretudo por autoridades que compõem o Governo. Em que pese o notório desprezo histórico de Bolsonaro por valores republicanos, é preciso reconhecer que jamais experimentamos a plena democracia no Brasil. Um país de maioria negra que elege 75% de brancos ainda precisa avançar muito para ser considerado uma referência democrática. Mas o único caminho para mudar esse cenário, para superar as enormes desigualdades que nos prendem ao atraso, é lutar, primeiro, pelo pouco de democracia que ainda temos, para depois aprofundá-la sob novos princípios”.
BREILLER PIRES, JORNALISTA DO CANAL DE ESPORTES ESPN BRASIL
O princípio muito defendido pelo jovem movimento é o da liberdade de expressão de atletas e de não-atletas. Esse princípio – também é um direito – é preconizado pela Constituição Federal de 1988, que assegura, em seu artigo 5°, incisos IV, VI e IX, o seguinte:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
Entretanto, a chamada Regra 50, da Carta Olímpica, recentemente atualizada, que serve de estatuto para o Comitê Olímpico Internacional (COI), comitês nacionais e federações, determina, entre outras coisas, que “não é permitida em qualquer instalação Olímpica qualquer forma de manifestação ou de propaganda política, religiosa ou racial”. E aí? O atleta deve obedecer a qual ordenamento normativo? A regra de uma organização estrangeira está acima da constituição de um país?

Para Katia Rubio, não. De acordo com a professora, a Regra 50 é uma determinação anacrônica, como algumas outras regras olímpicas também são.
“A Carta Olímpica foi escrita no século XIX e de lá para cá o mundo passou por muitas transformações. E o atleta deixou de ser uma pequena peça de uma grande engrenagem para ser o modelo ideal do Movimento Olímpico. Os atletas nunca foram tão organizados como são na atualidade e isso certamente causará impacto nessa questão”.
KÁTIA RUBIO, PROFESSORA DA USP
Ao Breiller fiz o mesmo questionamento, que disse:
“A Regra 50 é um artigo obsoleto, que deveria ser repelido pelos atletas e urgentemente revisto pelo COI. Porém, o esporte ainda permanece dominado por estruturas reacionárias, cujo principal objetivo é tornar os ambientes de competição esportiva assépticos e, por consequência, mais atraentes aos patrocinadores. Muitas empresas não querem associar sua marca a um atleta que desafia a ordem vigente, que usa sua visibilidade para reivindicar direitos e promover causas sociais. Mas, com a repercussão de movimentos como Black Lives Matter, estão sendo obrigadas a rever suas posturas ditas ‘apolíticas’, pois há uma cobrança maior da sociedade por posicionamentos de marcas e atletas. Para se adequar aos novos tempos, o esporte também precisa garantir a liberdade de expressão de seus protagonistas”.
Breiller pires, JORNALISTA DO CANAL DE ESPORTES ESPN BRASIL
O que se percebe, então, é que o COI, ao não apoiar as manifestações de atletas, projeta uma espécie de neutralidade do esporte, como se o esporte fosse campo social apartado dos acontecimentos cotidianos da sociedade e das reações decorrentes do desenrolar dos eventos.
Katia diz que no esporte se manifesta tudo aquilo que acontece no momento histórico em que vive o atleta, razão de ser do esporte. Para ela, sem o atleta não há espetáculo e o esporte seria apenas uma abstração.
O caso da jogadora de vôlei de praia Carol Solberg, no ano passado, marcou bem as disputas envolvendo o direito ou não de se expressar politicamente no esporte. Em 20 de setembro, durante entrevista televisionada ao vivo pelo canal SporTV, a atleta, que é filha da também ex-jogadora de voleibol Isabel Salgado, gritou “Fora Bolsonaro”. Carol havia acabado de conquistar o terceiro lugar, juntamente de sua companheira Talita, em etapa do Circuito Brasileiro de vôlei de praia e a manifestação da atleta ocorreu após o encerramento da partida, ainda que dentro da quadra.
No mesmo dia, Carol Solberg foi criticada pela Confederação Brasileira de Voleibol (CBV). A Comissão Nacional de Atletas de Vôlei de Praia, presidida pelo campeão olímpico Emanuel Rego, também se pronunciou, soltando uma nota na qual criticava a atleta. No dia seguinte, Carol foi denunciada ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) com base nos artigos 191 e 258 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD).
O caso teve enorme repercussão e, no final, após forte pressão de setores da sociedade (OAB, MP, mídia, esportistas, etc.), Carol Solberg acabou sendo absolvida. Na realidade, ela foi absolvida no artigo 258, porém foi condenada no 191, tendo a pena convertida em advertência.
Muitos criticaram o processo, dizendo que o julgamento foi pretexto para intimidar a atleta, cassar seu direito de expressão e passar uma mensagem velada a outros atletas para não seguirem essa tendência trazendo para dentro das quadras questionamentos e reivindicações de grupos oprimidos e marginalizados que perturbam o poder. Caso Carol fosse realmente condenada, poderia receber uma multa no valor compreendido entre R$ 100,00 e R$ 100.000 ou ser impedida de competir de uma a seis partidas.
Desde o primeiro momento desse episódio, o Movimento Esporte pela Democracia fez declarações de apoio à atleta em suas redes sociais, repercutindo o caso até o fim.
Foto: Reprodução/Twitter
No dia 21 de setembro, dia da aceitação da denúncia pelo STJD, o Esporte pela Democracia publicou uma imagem de Carol em quadra, acompanhada de um link para acesso a um texto do jornalista Juca Kfouri, outro signatário do grupo, no qual dizia que “Aos atletas brasileiros a mudez só não basta. Alguns querem calar os que falam”, em clara demonstração de repúdio e crítica ao que considerou uma tentativa de censura à filha de Isabel Salgado.
Foto: Reprodução/Twitter
Segundo Breiller, o caso envolvendo a jogadora foi censura, pura e simples.
“Mesmo que Carol Solberg tenha sido absolvida em última instância no STJD, todo o processo, incluindo a advertência em primeira instância, foi um recado claro a outros atletas que venham a se manifestar politicamente em seus espaços de trabalho”.
BREILLER PIRES, JORNALISTA DO CANAL DE ESPORTES ESPN BRASIL
O jornalista acrescenta: “Nesse caso, ela se manifestou em uma entrevista após a competição, algo permitido pela Regra 50 da Carta Olímpica. A censura à Carol também deixou evidente o caráter ideológico e intimidatório do governo Bolsonaro, alvo da crítica, já que auditores e dirigentes condenaram a manifestação por, supostamente, prejudicar o patrocínio do Banco do Brasil ao vôlei. Sintoma de um governo que não se constrange em interferir nas instituições de acordo com as preferências do presidente”.
Para Katia Rubio, Carol não se manifestou durante a partida.
“Ela se manifestou durante a premiação. Todo atleta, assim como todo cidadão, tem o direito de expressão garantido pela constituição. Tanto foi exagerada a punição recebida que Carol foi absolvida. A repercussão foi imensa e a indignação pela punição foi ainda maior”. Perguntada se considerou desproporcional o tratamento dado a Carol Solberg, Katia afirma que certamente o foi e esclarece:
“Foi desproporcional porque foi unilateral. Foi injusta porque ela foi punida, mas outros atletas que se manifestaram favoravelmente ao governo não sofreram qualquer punição”.
KÁTIA RUBIO, PROFESSORA DA USP
Foi o caso, por exemplo, dos jogadores Wallace e Maurício Souza que, ainda em quadra, no Mundial de Vôlei, fizeram com as mãos alusão ao algarismo 17, número de Jair Bolsonaro nas urnas, candidato que obteve apoio público dos dois atletas.
Também para Dara Diniz, ex-capitã da Seleção Brasileira de Handebol – não encerraria esta reportagem sem ouvir a opinião de um igual, de um outro atleta – o que aconteceu à Carol Solberg foi falta de coerência, além de uma imensa injustiça.
“Por que punir quando se expressa uma opinião crítica (diga-se de passagem, é o grito de milhões de pessoas), e não punir quando se apoia?
Dara diniz, ex-jogadora de handebol
Paulista de Guaratinguetá, Dara participou de quatro Jogos Olímpicos e liderou a Seleção Feminina de Handebol na campanha vitoriosa de 2013, no Campeonato Mundial da Sérvia. Ela é mais uma ex-atleta signatária do Esporte pela Democracia.
Confira, abaixo, a íntegra do bate-papo que tivemos com a Dara
Entrevista com Fabiana Carvalho Carneiro Diniz, a Dara, ex-capitã da seleção brasileira de handebol feminino
Wander: Olá, Dara. Em primeiro lugar, digo que é uma honra poder falar com você e, desde já, agradeço pela sua disponibilidade e gentileza em falar conosco da Revista Marta. Tudo bem com você?
Dara: Olá, Wander, tudo bem? Vou bem, sim, graças a Deus. Em meio à atual situação, acredito que estando com saúde não podemos nos queixar.
Wander: O que você tem feito desde quando decidiu abandonar as quadras?
Dara: Primeiramente, me dediquei exclusivamente ao meu filho. Engravidei logo após as Olimpíadas, quando realizei o meu sonho de ser mãe. Abri meu negócio junto ao meu marido. Hoje, estou entre ser mãe, administrar a pousada e cursar Gestão em RH.
Wander: Atualmente, você vive no Brasil?
Dara: Moro no Brasil e na Espanha. Atualmente, estou no Brasil, mas já temos nossa vida encaminhada por lá também.
Wander: Qual é a sua impressão sobre o atual momento pelo qual o Brasil passa?
Dara: É um momento bem difícil, triste e que requer muitas lutas e consciência por parte de todos. Precisamos nos unir em prol do nosso país.
Wander: Em junho de 2020, logo após o assassinato de George Floyd, foi criado, aqui no Brasil, o Movimento Esporte pela Democracia. Você é uma das ex-atletas que aderiram e referendaram o movimento. Que movimento é esse?
Dara: Somos um grupo de pessoas ligadas ao esporte de alguma maneira, disposto a defender a democracia no âmbito esportivo. É um grupo de muita troca e aprendizado. Meu intuito foi apoiar essas diversas causas democráticas apoiadas pelo movimento e aprender ao lado de pessoas que, antes, eu admirava como profissionais, e hoje admiro ainda mais como pessoas. Me sinto honrada em participar desse grupo.
Wander: A palavra democracia aparece no nome do movimento. Você acredita que houve um enfraquecimento da democracia nos últimos anos? Por que?
Dara: Sim. A democracia se enfraqueceu. Precisamos recuperar essa força, somos um país onde as pessoas precisam exercer poderes de luta e voz. Unidos somos fortes. Penso que, como povo, não podemos enfraquecer, menos ainda perder essa conquista de exercer a democracia.
Wander: A constituição vigente tem pouco mais de três décadas. Para você, o atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, com suas ações, políticas e discursos, ajuda a fortalecer ou a empobrecer a jovem democracia brasileira?
Dara: A empobrecer e muito. Não tenho palavras para definir a atuação do atual presidente. Sinto uma tristeza e um desejo imensos de que ele não siga no poder.
Wander: Além de atletas e ex-atletas, profissionais de outras áreas, como a cultura e a comunicação (cantores, jornalistas, etc.), também participam do Esporte pela Democracia. Você acredita que essa diversidade de integrantes é positiva para o que propõe o movimento? Por que?
Dara: Acredito e muito. São pessoas com um altíssimo conhecimento de causa e luta, pessoas que, além de estudos, tem a vivência e isso é enriquecedor.
Wander: Dara, você foi uma atleta de alta performance e teve uma carreira vitoriosa. Quando foi que você despertou para as questões extra-quadra (fora da quadra), como direitos de minorias (negros, indígenas, LGBT, etc.), justiça social, política e democracia?
Dara: Infelizmente, despertei tarde. Acredito que, quando se está atuando, temos mais voz, mais espaço midiático. Depois que me engajei muito com causas na maternidade – já não atuava – como a amamentação, por exemplo, é que levantei a cabeça e percebi o quanto precisamos participar dessas questões e o quanto demorei a enxergar isso. É importante levantarmos a cabeça para o que está ao nosso redor. O atleta de alto nível em sua grande maioria se preocupa apenas com a performance. Ok, acho que é válido, mas existem tantas coisas acima disso, e que são de uma importância e necessidade que não nos atentamos.
Wander: Quando você jogava handebol profissionalmente, você alguma vez se manifestou politicamente em quadra (ou em entrevista coletiva)? Por que?
Dara: Publicamente não. E confesso que me arrependo de não ter me posicionado.
Como falei, o atleta muitas vezes anda de cabeça baixa para tudo que não seja treinar, competir, se preparar. Somos disciplinados para isso, focar apenas na preparação e resultado. Tudo que foge a isso é como se não fosse da nossa conta.
Wander: Qual é a sua opinião sobre a Regra 50 da Carta Olímpica, que diz que “não é permitida em qualquer instalação Olímpica qualquer forma de manifestação ou de propaganda política, religiosa ou racial”? Você acredita que essa Regra 50 é um cerceamento/impedimento à liberdade de expressão dos atletas?
Dara: Vejo como uma certa limitação. Digamos que, a depender da opinião, quem a proferiu pode ser aceito ou punido.
Wander: A atleta Carol Solberg, do vôlei de praia, foi repreendida pela Confederação Brasileira de Voleibol (CBV), criticada e julgada pelo STJD por ter se manifestado contra o atual presidente do país, ao gritar “Fora Bolsonaro”, durante transmissão ao vivo de uma partida da primeira etapa do Circuito Brasileiro de vôlei de praia. O que você achou daquele episódio, haja vista que outros atletas (vôlei, futebol e outras outras modalidades) já haviam se manifestado favoravelmente a Jair Bolsonaro anteriormente e nada sofreram?
Dara: Antes de mais nada, a Carol é uma rainha! Agora, respondendo a sua pergunta, o que aconteceu à Carol Solberg foi falta de coerência, além de uma imensa injustiça. “Por que punir quando se expressa uma opinião crítica (diga-se de passagem, é o grito de milhões de pessoas), e não punir quando se apoia? Para mim a situação da Carol mostrou claramente a força do atleta atuante. Infelizmente, ela foi julgada, absolvida, mas julgada. Por um lado mostrou a desunião da classe porque houve atletas contra a Carol, mas por outro abriu os olhos de muitos que a apoiaram. Carol Solberg, para mim, foi um passo para mostrar a força da mulher – da mulher atleta. É exemplo do quanto temos que levantar a cabeça e, sim, acreditar nos nossos princípios e na nossa força. Muitas meninas querem ser iguais à Carol por jogar vôlei de praia tão bem? Sim. Mas muitas, certamente, querem se assemelhar à Carol por verem a força da mulher representada na opinião dela.
Wander: Você considerou desproporcional o tratamento dado a Carol Solberg?
Dara: Considerei desproporcional e injusto. Ela sofreu críticas severas por expor sua opinião (opinião negativa contra o atual presidente), quase teve uma punição severa. Todos nós sabemos que se ela tivesse gritado “Mito” – também estaria expressando uma opinião – mas seria tratada da mesma maneira?
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