Por Gabriela Araújo (@soueugabiuai)
A Copa do Mundo do Catar chegou ao fim. Mas ano que vem tem Copa de novo. Será que os brasileiros, que sempre apoiam intensamente a seleção masculina, estão lembrando disso?

Visto o cenário de plena desvalorização em que o futebol feminino dentro e fora do Brasil se encontra, não é difícil entender a falta de atenção para a seleção feminina e a Copa do Mundo da categoria. A título de exemplificação, o campeão do torneio mundial de 2022 recebeu cerca de R$ 192 milhões. Ao todo, a FIFA (Federação Internacional de Futebol) distribuiu no Catar mais de R$ 2 bilhões em premiações. Na última competição mundial feminina, a seleção dos Estados Unidos faturou US$ 4 milhões, mais ou menos 20 milhões de reais, e cerca de US$ 38 milhões de prêmios foram distribuídos pela federação.
O valor que o time americano recebeu como campeão não chega nem perto da quantia de US$ 9 milhões que os eliminados na fase de grupos da Copa do Mundo do Catar receberam. A FIFA justifica que as diferenças exorbitantes de premiações são resultado de uma arrecadação maior de patrocínios e direitos de transmissão na Copa do Mundo masculina em comparação com o torneio feminino.
Apesar de tudo, a última edição apresentou algumas mudanças que podem ser mais efetivas no ano que vem. A Copa do Mundo da França de 2019, assim como acontece com a competição masculina, mobilizou uma parte da população que não acompanha futebol diariamente e provou, mais uma vez, a força do futebol feminino. Aqui no Brasil, como afirma Nathália Andrade, jornalista que trabalha com futebol desde 2014, algumas mudanças no cenário da modalidade feminina também já podem ser vistas.
“A principal mudança foi a profissionalização do futebol feminino. Os clubes passaram a investir, o que trouxe jogadoras de alto nível de volta ao Brasil com salários fixos (anteriormente atletas da seleção recebiam para se manter em atividade por falta de clubes/competições nacionais). Os clubes estão se estruturando melhor, a CBF vem incentivando mais a modalidade. Ainda existem muitos erros a serem corrigidos, mas se caminhou bastante. A cobertura ainda deixa muito a desejar e não acompanha a evolução da modalidade, tanto em espaço na mídia quanto nos profissionais envolvidos.”

Só a atitude de vestir a camisa do Brasil e se reunir para assistir aos jogos da seleção brasileira feminina já é algo significativo para a modalidade. Torcer pelas jogadoras e pela equipe representa uma mudança considerável na sociedade brasileira. Tanto é que a Globo – que exibiu todos os jogos do Brasil na televisão aberta em 2019 – adquiriu os direitos de transmissão da Copa do Mundo feminina, e assim se projeta que a transmissão brasileira em TV aberta, que na última edição não foi completa, seja ampliada para além dos canais fechados. Nathália afirma que o principal ponto de diferença entre as coberturas das modalidades femininas em comparação com as masculinas é o preconceito presente em um esporte visto como espaço masculino.
“Existe também muita má vontade em mudar esse cenário, tendo em vista que a maioria das redações de esportes são compostas por homens que não querem perder o seu espaço que é feito para ‘machos’”, relata Nathália.
A jornalista ainda pontua que não existe uma especialização dentro das transmissões esportivas que abordam a seleção feminina, assim, muitas vezes, os profissionais presentes não conhecem as atletas e suas maneiras de jogar e, principalmente, não compreendem as diferenças entre o futebol masculino e feminino: “faltam pessoas realmente ligadas à modalidade nas transmissões”. Já Tayna Fiori, que trabalha há quase quatro anos com o futebol internacional e atualmente faz parte do time da TNT Sports, acredita que a maior diferença é a quantidade de indivíduos que cobrem a Copa do Mundo masculina e de programas esportivos existentes em comparação com a modalidade feminina: “acredito que para o ano que vem as questões terão uma melhora mas não irão se igualar, até porque o futebol feminino ainda não tem esse espaço”.
2023 também é ano de Copa do Mundo!
Com seleções de 32 países, oito a mais que no ano de 2019, seguindo os moldes do torneio masculino, a Copa do Mundo feminina 2023 será a nona edição da competição mundial. O campeonato será disputado entre os dias 20 de julho e 20 de agosto de 2023 e, pela primeira vez, em dois países diferentes: Austrália e Nova Zelândia. O Brasil se encontra no Grupo F junto com a França, Jamaica e a equipe que sairá vencedora do Torneio Eliminatório da FIFA: China, Taipei, Paraguai, Papua Nova Guiné ou Panamá. A repescagem acontecerá entre os dias 17 e 23 de fevereiro do ano que vem, nas cidades de Auckland e Hamilton, na Nova Zelândia.
O pontapé da seleção brasileira na Copa do Mundo, almejando uma conquista inédita, será no dia 24 de julho na cidade de Adelaide, na Austrália, justamente contra o time vencedor do torneio eliminatório. Brisbane, cidade australiana, receberá o confronto entre Brasil e França no dia 29 de julho. A fase de grupos finaliza em 02 de agosto com o jogo contra a Jamaica, em Melbourne, também na Austrália.
“Ouvi várias vezes hoje que a FIFA nunca fez algo parecido com que está sendo feito para essa Copa do Mundo. Uma das razões é a presença de 32 times. Isso é um marco, que eu espero que ajude o jogo a melhorar e a crescer ainda mais. Países que nunca disputaram a Copa do Mundo antes, e que estão aqui… Ver o entusiasmo deles é contagioso. Dá para sentir no ar: isso é diferente. Vai ser uma Copa do Mundo fantástica!”, declarou a treinadora Pia Sundhage à assessoria de imprensa da CBF.
E a última Copa Feminina?
A Copa do Mundo na França foi a competição feminina da FIFA mais assistida de todos os tempos e representou um significativo aumento de audiência para o futebol feminino. Consequentemente, foi essencial para que a modalidade conquistasse mais espaço na televisão. No mundo todo, seja por streaming ou pela televisão, o torneio feminino conquistou a audiência de mais de 1 bilhão de pessoas. A grande final entre EUA e Holanda foi acompanhada por cerca de 82.2 milhões de pessoas, quase 60% a mais que a edição de 2015. Tayna, que também trabalha com cobertura do futebol feminino como comentarista do Campeonato Paulista Feminino pelo TNT Sports, conta que é muito representativa a mudança de chave que aconteceu ao futebol feminino nos últimos anos.
“Eu acredito que a última Copa do Mundo feminina fez as pessoas se engajarem muito mais por conta da transmissão na televisão aberta. Facilita todo o processo quando a gente tem uma Globo transmitindo os jogos. A Globo tem um alcance muito grande, fala com um público muito grande. Então quando você tem uma emissora do tamanho deles transmitindo jogos da seleção, os resultados nos programas, você dá uma abertura e você cria uma intimidade com o público.”

Só no Brasil, no canal Globo e no SporTV, a final do torneio foi acompanhada por quase 20 milhões de brasileiros. As oitavas de final, entre a seleção brasileira e a França, alcançaram 35 milhões de pessoas no Brasil, o maior número de espectadores em toda história do futebol feminino. Além do mais, o crescimento da popularidade da competição mundial feminina foi mais efetivo no Brasil; em comparação com a edição de 2015, 81 milhões de pessoas a mais acompanharam o torneio no país. Segundo uma recente pesquisa do portal UOL, quase 60% das pessoas com idade entre 10 e 25 anos afirmaram que acompanhariam mais aos jogos da seleção feminina se tivesse uma cobertura midiática maior.
“A Copa foi importante para que tanto a mídia quanto clubes e patrocinadores entendessem que existe interesse e que o futebol feminino pode vir a ser um produto rentável se houver investimento e divulgação. Isso influenciou, por exemplo, no interesse da Globo e da Band em transmitirem o campeonato Brasileiro A1”, esclarece Nathália Andrade.
As mudanças sociais efetivas na sociedade brasileira no que tange as discussões de gênero, transmissões esportivas em TV aberta e a popularização das mídias alternativas foram fatores cruciais, segundo Nathália, para que a população brasileira se engajasse mais na última edição da Copa do Mundo feminina. Porém, a jornalista acredita que apesar de uma movimentação e comoção, dificilmente a mobilização vista com a seleção masculina será direcionada para a equipe feminina na Copa do Mundo de 2023. Tayna sustenta que a movimentação da torcida brasileira que acompanha a modalidade vai acontecer, ainda que não no mesmo nível, justamente pelo público que o futebol feminino mantém.
“O público que acompanha futebol feminino ele é um público distinto em alguns aspectos. Eu conheço muitas pessoas que são da comunidade LGBT que não acompanham o futebol masculino porque não se sentem seguras e representadas e acompanham o futebol feminino pelo mesmo motivo, por se sentirem seguras e representadas. Então eu acredito que terá sim uma mobilização maior na Copa do Mundo porque as pessoas que gostam de futebol em geral e não acompanham os campeonatos assistem a Copa do Mundo.”

Os avanços não partem apenas do público torcedor, mas também pela mídia esportiva. Na edição anterior do Mundial feminino, a estreia da seleção feminina contra o time da Jamaica foi comandada pela voz do locutor esportivo Galvão Bueno, o grande nome da Globo. Porém, a presença feminina nas coberturas esportivas da competição foi muito tímida; com destaque para Ana Thaís Matos comentarista da Globo e Nadja Mauad, do canal SportTV. Por outro lado, durante a Copa, 56,10% das matérias publicadas no GE foram produzidas por mulheres.
Em 2023, seguindo os avanços das transmissões esportivas da Copa do Catar, a promessa é que a força feminina esteja presente dentro e fora de campo. Ainda é cedo para falar de cobertura esportiva, contudo, mudanças significativas já podem ser vistas; o sorteio de grupos da Copa do Mundo feminina foi transmitido – de forma inédita – pela TV Globo e também pelo SporTV. O evento aconteceu na cidade de Auckland, na Nova Zelândia, na madrugada do dia 21 de outubro. Tayna Fiori fala sobre os avanços que aconteceram desde 2019 na modalidade aqui no Brasil.
“As pessoas começaram a entender o futebol feminino como um produto, então começou a aumentar a transmissão, a aumentar investimento nos clubes. Mudou muito, criou uma nova expectativa em relação ao futebol feminino. Essa próxima Copa tende a ter mais ainda um crescimento. Desde a Copa do Mundo de 2019 até agora em 2022, a gente teve um aumento de competições, uma organização de calendário para se tornar um pouco mais agradável para os clubes, teve um aumento de premiações, de audiência e de transmissões. Então, tudo isso é muito importante, tudo isso vem desses números que aconteceram na Copa.”
Além do mais, a jornalista pontua grandes espaços conquistados pelo futebol feminino: “hoje em dia a gente tem as mídias independentes com um pouco mais de destaque; uma ESPN fazendo Mina de Passe, que é um programa semanal de futebol feminino, a gente tem a Cíntia Barlem entrando ao vivo no SporTV para falar sobre seleção, sobre campeonatos. Então a gente tem um espaço na mídia, a gente tem uma CBF mais preocupada criando competições, aumentando as premiações, vendendo melhor o seu produto e emissoras querendo transmitir.”
Os direitos de imagem para rádio, internet e TV da Copa de 2023 já foram vendidos pela FIFA a empresas de 160 países; em comparação com o evento mundial do Catar, transmitido em quase 220 territórios, o número é baixo. A federação máxima do futebol, mesmo não pagando os valores suficientes em premiações, quer mitigar o desinteresse com a categoria visto o crescimento significativo do próprio futebol feminino e sua audiência no mundo inteiro. Como forma de contornar o problema, a FIFA considera transmitir a Copa do Mundo de 2023 por sua plataforma de streaming, o Fifa+, que conta com acesso livre e gratuito em todos os territórios.
Até então, importantes mercados futebolísticos como China, Portugal e Reino Unido ainda não apresentaram empresas interessadas nos direitos de transmissão para a competição do ano que vem. Por outro lado, a União Europeia de Radiodifusão comprou os direitos de transmissão e vai distribuir a Copa do Mundo feminina para 28 dos 32 países que fazem parte do bloco.
Como chega a seleção brasileira feminina para a Copa

Em 2019, na Copa do Mundo da França, o Brasil parou nas oitavas de final. Após o último torneio, a seleção brasileira feminina conquistou a Copa América deste ano, ocorrida na Colômbia, e com transmissão de todos os jogos no Brasil. Depois de mostrar uma hegemonia na competição, tendo ganhado oito das nove edições, a seleção brasileira continuou a sua preparação para a Copa do Mundo de 2023.
No Orlando Stadium Joanesburgo, na África do Sul, o Brasil enfrentou a seleção da casa, campeã da Copa Africana de Nações Feminina, em dois amistosos no mês de setembro. No primeiro, 3 a 0 para o time brasileiro, com gols de Geyse Ferreira, Adriana Leal e Tamires Britto. No segundo, a seleção do Brasil deu um baile, balançando as redes seis vezes: Adriana, Debinha (2x), Bia Zaneratto de pênalti, Maria Eduarda da Silva e Kathellen marcaram no estádio Moses Mabhida, também na África do Sul.
Após as vitórias em solo africano, o Brasil enfrentou duas seleções que estão presentes na parte de cima do ranking mundial da FIFA: Noruega, que configura na 12ª posição, e Itália, na 14ª posição. No Ullevaal Stadion, localizado na capital norueguesa, Oslo, o Brasil ganhou, em outubro, por 4 a 1, com os gols de Adriana, Bia Zaneratto e Jaqueline. Antes de sofrer o gol contra a Noruega, a seleção brasileira estava, além de invicta, a 10 jogos sem ter a sua rede vazada. Logo depois, ainda em outubro, no estádio Luigi Ferraris, em Gênova, na Itália, o Brasil saiu vitorioso por 1 a 0 contra a seleção italiana em um jogo mais equilibrado.
Completando a Data Fifa, série de amistosos preparatórios, a seleção brasileira enfrentou o Canadá (7º no ranking da FIFA) duas vezes em terras brasileiras. Na primeira partida, no dia 11 de novembro, o Brasil perdeu por 2 a 1 na Vila Belmiro. Já na Neo Química Arena, o placar foi o mesmo, mas desta vez favorável para o time brasileiro, com gols de Bia Zaneratto e Aninha. Após a conquista da oitava Copa América, em 2022, de maneira invicta e sem tomar nenhum gol, a seleção brasileira feminina, que atualmente está em 9º lugar no ranking da FIFA, chega com fôlego, apoio do torcedor brasileiro e – que assim seja – plena cobertura esportiva tanto para a Copa do Mundo de 2023 como também para os Jogos Olímpicos de 2024.